12/11/2022

A espada



 «Depois falamos», disse-me ela,

deixando-me na mão o aço em brasa da espada.

«Quando arrefecer...», profetizou ainda sem esclarecer.

Percebi que iria voltar um dia.

O restante especulei: inventei sombras, reverberações

nas paredes da casa.

Perscrutei o destino nos olhos do gato,

que me eram de coruja.

E o outono acabou por chegar,

quando a espada arrefeceu, 

fazendo-se então tíbia sensação, 

canto que embala e prepara.

Ouvi o eco que  já não parecia sê-lo.

Se fosse, era apenas o eco do eco do eco.

A boca a  mexer-se no espelho, sozinha,

sem pensamento, 

instinto animal que não entende, mas sente.

«Não tenho medo, tenho pena»,

disse-mo meu pai.

Compreendi tão profundamente,

como se compreende o esquecimento,

um totem magnífico

cuja areia vai cobrindo sem ritual, nem plano.


A luz era agora amarela, daquela que irradiam

as páginas muito antigas.

A ideia de osso ganhava vida, 

os pássaros partiam para sul.

Se voltaria a vê-los, ou não, só no inverno saberia.



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