12/07/2021

O andorinhão

 Do cimo do ninho, o andorinhão espreita a colina que varre a cidade ao encontro do horizonte. A distância entre ele e o chão impressiona-o. Teme levantar voo, o primeiro voo. Cerra os olhos e o perigo desaparece logo. As pálpebras brancas corridas como persianas lembram o olhar de um cego.


O sol abre uma clareira entre as nuvens. O pássaro sente a intensidade da luz e descerra as pálpebras. Tem uns olhos negros, enormes e globulares. São desproporcionais relativamente ao resto da cabeça. Em redor, um bando da sua espécie cruza o ar, emitindo guinchos. Assim de repente, parece que o convidam para a vida. Ele não reage, porém. Há na sua perceção lenta um abismo que ganha forma debaixo dele. O que para nós, humanos, pareceria uma visão aterrorizante, para uma ave que pode voar 11 meses seguidos sem pousar, aquele buraco enorme torna-se um convite para uma possibilidade fantástica.


As patas desta espécie são atrofiadas, devido a pouco serem usadas. Por isso, o juvenil arrasta-se como pode até à borda do ninho; deixa-se cair; abre as suas asas estreitas, mas longas e fortes como um caça de guerra construído em titânio. A vida dele é a partir de agora uma batalha absolutamente aérea.


O abismo que parecia um lugar inóspito, ajuda-o a acelerar o voo. Parece que já voava antes de sair do ovo. Uns metros antes de embater no alcatrão da avenida, inverte o sentido voo em direção ao céu, aceitando a dádiva que lhe foi concedida. Agora sim, voa com uma competência impressionante para uma ave acabada de sair do berço. O céu ganhou um anjo de plumas cinzentas.

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