26/07/2024

A arte de nadar contra a maré



A minha vida prepara-se para mudar. Muda sempre aliás. Porém, em certos momentos, as mudanças são tantas e tão brutais que nos deixam sem chão.
 
Há muitos anos tive a tentação de escrever um conjunto de poemas em torno do conceito da “Natação”. As razões desta intenção eram sobretudo existenciais. Tentaria descrever poeticamente o movimento possível num meio menos natural a um bípede terrestre: a água.


Semanticamente, esta substância representa a insegurança, a instabilidade, o perigo eminente. Mas não só, a ação massiva dos fluxos líquidos também nos sugerem purificação: o batismo, o dilúvio, a remoção da sujidade. E talvez devido a esta ambivalência entre a instabilidade e a renovação, surja-me novamente no espírito estes conceitos em torno da água, da sua ação e da nossa relação com ela.


Todos os que já tentaram enfrentar uma corrente marítima forte, conhecem a dificuldade em chegar à margem segura, à solidez, à vida sustentável. Se a corrente é forte e deixa-nos cansados, começa a crescer a vontade de deixar-nos ir nela.


O segredo para alcançar a margem está realmente em não contrariar em absoluto a corrente. Devemos, sim, tentar direcionar, aqui e ali, subtilmente, o corpo na direção da praia, onde a vida continuará apesar de tudo.


Dizem que as crises são oportunidades. As marés também. Talvez esta seja daquelas que nos puxam para o largo. Outra haverá que me atirará à praia.


Amadora, 25 de julho de 2024

24/07/2024

Um dia de verão

Tudo treme e se afasta,

máquina do tempo sem tempo

nem misericórdia.


Já a vontade dorme

 o seu sono inquieto de verão,

enquanto brilham, nas árvores,

as coisas vãs, a energia herbívora

dos LED's, pequena fonte de verdade.


E a pergunta surge: 

onde está afinal a verdade

destes cedros insistentes e perfilados

do outro lado da rua?

Na raiz que começa, na folha que respira,

na flor que seduz ou no fruto, facto final

e carnudo da vida, sentido animal 

que não sabe esperar como um gato.

19/07/2024

Do nada, outra vez



Tanta felicidade também cansa.

Tem de haver um ponto

uma constância infeliz

um lodo onde nasça

a próxima flor sobre a cicatriz

mas agora em ponto cruz rendada

numa malha ainda mais fina

para que a pouca luz que por lá passe

seja — como assim dizê-lo? —

louvada, sagrada, talvez.


É por isso,

que temos de recomeçar do nada,

do éter, da farsa,

para que essa sagração aconteça outra vez




[Tradução para o Castelhano]


Tanta felicidad también cansa. Debe haber un punto una constancia infeliz un lodo donde nazca la próxima flor sobre la cicatriz pero ahora en punto de cruz bordada y de malla más fina que nunca para que la poca luz que por allí pase sea — ¿cómo decirlo? — alabada, sagrada, tal vez.
Es por eso, que tenemos que hacer una nueva partida, del éter, de la farsa, para que esa consagración ocurra otra vez.