14/06/2021

Um sol enganador

 Olhou para mim e deixou-se lacrimejar. Era um sinal de paixão contida. Gostaria de ter-lhe perguntado o porquê daqueles olhos húmidos, daquele sentimento que crescia no seu íntimo como um rio subterrâneo de onde apenas um fio de água alcança a superfície. Não sabia se estava triste por si, por mim ou por ambos através de uma visão refletida entre as nossas vidas. Revia-se em mim? A minha tristeza ecoava na sua e vice-versa?

Naquela manhã, eu acordara com uma lucidez nascida das sombras. Uma realidade trágica  emergira depois de uma noite mal dormida: a desesperança, as promessas tornadas condições materiais e por isso mesmo transformadas numa espécie de canga que colocamos nos animais para puxar as charruas, a velhice, a impotência que sempre existiu, mas que conseguimos esquecê-la durante grande parte da vida, as mentiras que contamos a nós próprios para viver, para sermos amados, as traições, os ódios, as invejas e tudo o mais com que um ser humano consegue envenenar a graça da vida. Tudo isto se tornou nítido naquela manhã de uma forma exponencial. À minha frente, quem me conhece desde as entranhas lacrimejava em silêncio e de mansinho, como se adivinhasse cada uma das conclusões  que eu havia encontrado naquela manhã de  um sol brilhante, e só por isso, enganador.

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