Preta e branca. Era ela, a nossa gatinha.
Tínhamo-la enterrado perto de um charco, numa pequena, mas solarenga charneca que resistia entre os prédios construídos ad hoc.
Agora e ali perto da sua improvisada campa, ela caminhava entre as ervas altas, lenta e cuidadosamente, uma pata após a outra, como se as patas tivessem olhos. Era ela. Mas como poderia ser ela, se a havíamos enterrado abraçados, os três, com as lágrimas conquistando-me o rosto? Lembro-me de ter ficado envergonhado: como poderia sentir aquilo por uma gata?
Mas agora eu vi-a. Estava viva. Agachava-se se algum pássaro pousasse perto dela ou cheirava morosamente as folhas silvestres.
Ela olhou para mim, com aqueles grandes olhos de tigre doméstico, e depois cerrou-os por alguns segundos. Era assim que nos cumprimentávamos. Ela cerrava os olhos e depois eu fazia o mesmo. Eram as nossas palavras: 'Confio em ti, homem', 'Gosto de ti, gata'.
No entanto, uma brisa forte soprou, fazendo balançar as ervas altas onde ela se camuflava. Afinal, aquilo era apenas um pedaço de plástico. Mas, meu Deus, eu vi-a. Lembrei-me que estávamos na Páscoa. Lembrei-me da ressurreição, da ressurreição do amor, claro.
E mais uma vez compreendi a utilidade da literatura.
1 comentário:
A ressurreição do amor. Tantas vezes os sonhos se insinuam no nosso coração sobre os seres que amámos e continuamos a amar. Belíssimo o texto, meu Amigo.
Uma boa semana.
Um beijo.
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