02/02/2023

O anjo




Um anjo...

Um anjo com todos os atributos

que um anjo-anjo dever ter:

invisível, mudo, reservado, 

criado apenas para momentos lunares,

epifanias e anunciações.


Paira sobre a cidade.

A eternidade esvazia-o de sentido,

pelo menos aquele sentido imediato

que a morte empresta à vida.


Olha para sul, para norte,

para baixo, onde os mortais 

se deliciam com o sol de inverno.

Passam-se anos e, apesar de tudo mudar,

nada muda. 

Às vezes aproxima-se para ouvi-los,

lê o que escrevem nos telemóveis 

e pensa o quanto a finitude lhes dá,

o quanto a finitude lhes tira.


Depois esvoaça até à torre da igreja

da mais alta colina da cidade.


É ali o seu poiso favorito, ali mesmo

entre Deus e os homens. 

Encostado aos pombos, adormece

para esquecer. 

Só o esquecimento lhe possibilita  o espanto

que a sua imortalidade esvazia. 


Local: Varanda da Igreja de Santa Engrácia (Panteão Nacional), Lisboa

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