Um anjo...
Um anjo com todos os atributos
que um anjo-anjo dever ter:
invisível, mudo, reservado,
criado apenas para momentos lunares,
epifanias e anunciações.
Paira sobre a cidade.
A eternidade esvazia-o de sentido,
pelo menos aquele sentido imediato
que a morte empresta à vida.
Olha para sul, para norte,
para baixo, onde os mortais
se deliciam com o sol de inverno.
Passam-se anos e, apesar de tudo mudar,
nada muda.
Às vezes aproxima-se para ouvi-los,
lê o que escrevem nos telemóveis
e pensa o quanto a finitude lhes dá,
o quanto a finitude lhes tira.
Depois esvoaça até à torre da igreja
da mais alta colina da cidade.
É ali o seu poiso favorito, ali mesmo
entre Deus e os homens.
Encostado aos pombos, adormece
para esquecer.
Só o esquecimento lhe possibilita o espanto
que a sua imortalidade esvazia.
Local: Varanda da Igreja de Santa Engrácia (Panteão Nacional), Lisboa
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