19/10/2015

Hoje não há caracóis


É sentado nas traseiras da cidade próspera
que Te escuto,
regressado à momentânea indigência dos plásticos
que esvoaçam entre árvores roídas pelo chumbo dos escapes
- aí mesmo onde os pardais ensaiam eloquentes discursos
para a próxima primavera

Sentado na pedra,
vejo correr o Outono
na direcção do sul, do sal,
da alegria fictícia que os habitantes inventam
para se esconder da invernia soletrada por poemas como este.

Passa o comboio.
Podia escrever uma ode ferroviária,
mas não tenho tempo.
Não há tempo na cidade das luzes fluorescentes,
onde as pretas limpam os restos do pó levantado
pela orgia das ilusões, pela tesão do mercado.

Os transeuntes passam olhando para dentro,
só na memória encontram o conforto
da festa de aniversário
onde à sombra de um largo sobreiro
estavam todos de novo presentes:
o pai, a mãe e as formigas
que passavam pelas ervas de uma avenida pungente.

Os  poemas têm a natureza de qualquer negócio.
Ganham, no seu fecho, o lucro que os afama.

Procuro assim as palavras convenientes (ou contingentes),
as mais encantatórias e ondulantes.

Mas a verdade, a que me obrigo, é um lugar gasto
por uma chuva miúda, persistente.

Procuro nos bolsos, apressado por um tempo burguês, as últimas palavras.
Hesito, pondero e pouco consigo dizer-te para além de
“caminha sem chapéu ou destino e deixa a barba por fazer”.

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