18/05/2023

ESPERANÇA & DESESPERO


A esperança nasce do desespero, essa angústia que cinge os dois lados do tempo: o Antes — porque todo o presente se torna rápida e assustadoramente Antes; e o Depois, porque nos reconhecemos, entretanto, nascidos para a morte. 

Numa eventual tomada de consciência momentânea e absoluta deste abismo do tempo, abre-se uma brecha no nosso ceticismo. Ficamos expostos a um convite, a uma Graça de alguém que não conhecemos: Deus.

Inefável e incognoscível, não podíamos amá-Lo antes Dele nos encontrar. Por isso mesmo este encontro é uma dávida, um presente desinteressado que um criador oferece à sua criatura. 

Agora, o que aparentava ser uma fragilidade, um desespero, uma brecha na nossa carapaça, torna-se uma oportunidade: Ele encontrou-nos entre biliões de homens e mulheres, entre gerações e gerações de seres errantes pela Terra. 

Talvez não tenha sido um encontro fortuito, fruto do acaso. Que sabemos nós?

Alguém nos bate à porta num momento difícil de angústia perante o reconhecimento da nossa finitude. Oferece-nos — não o mundo ou poder absoluto, como Santanás fez a Jesus Cristo na sua provação pelo deserto — mas tão-só uma oportunidade. 

Em todas as vidas surge esta perceção, a sensação de termos sido escolhidos, agraciados por um convite. Então, cautelosos, dizemos que não, ou, desesperados, dizemos que sim. Não conseguimos porém explicar ainda qualquer das decisões com convicção. 

Se recusarmos nada acontece. A vida continua a rolar na sua inércia física, natural, como antes. Se dissermos que sim, estamos numa relação com Deus. O compromisso e a dedicação para com este vínculo recém-chegado passou então para o nosso lado.

Deus está para sempre e por todo lado. Ficará por isso para sempre connosco. Porém, apenas alguns encontros são profundamente íntimos: o momento da paixão é um deles. 

Camões descreveu essa nova condição naquele terceto:" É querer estar preso por vontade/ É servir a quem vence, o vencedor/ É ter com quem nos mata lealdade."; Paulo de Tarso caiu do seu cavalo quando esta paixão o fulminou. A sua paixão era tão grande e a sua natureza tão dotada que mudou a história de parte do mundo em que hoje vivemos. Tornou esse vínculo que era étnico e circunscrito, numa possibilidade universal. 


Bibliografia:

“São Paulo, Apocalipse e Conversão” de António de Castro Caeiro - Aletheia, 2014, Lisboa

“Esperar contra toda a Esperança” de José Tolentino Mendonça – UCP editores, 2015, Lisboa 


2 comentários:

Graça Pires disse...

Belíssima reflexão que gostei de ler e ouvir.
Fez-me pensar. O tempo verdadeiro, que passa de qualquer modo, é independente das coisas e do seu acontecer. Há o abismo do tempo: a nossa tragicidade, a nossa finitude. Contudo, a brecha que se abre na nossa desesperança nem sempre nos deixa vislumbrar Deus. Será a vida humana uma possibilidade de Deus? A esperança ajuda-nos a celebrar as pequenas coisas da vida. E talvez seja necessário procurar a Luz porque só ela revela a verdade até que nada lhe resista. Deus não cabe num conceito, não é traduzível por nenhuma imagem. Transcende qualquer nome. Que sabemos nós? Que sei eu?
Um abraço meu Amigo Luís.

solfirmino disse...

Querido amigo, como a Graça disse, "que sabemos nós?".
Essa reflexão é profundíssima.
Obrigada