A esperança nasce do desespero,
essa angústia que cinge os dois lados do tempo: o Antes — porque todo o
presente se torna rápida e assustadoramente Antes; e o Depois, porque nos
reconhecemos, entretanto, nascidos para a morte.
Numa eventual tomada de
consciência momentânea e absoluta deste abismo do tempo, abre-se uma brecha no
nosso ceticismo. Ficamos expostos a um convite, a uma Graça de alguém que não
conhecemos: Deus.
Inefável e incognoscível, não
podíamos amá-Lo antes Dele nos encontrar. Por isso mesmo este encontro é uma dávida,
um presente desinteressado que um criador oferece à sua criatura.
Agora, o que aparentava ser uma
fragilidade, um desespero, uma brecha na nossa carapaça, torna-se uma
oportunidade: Ele encontrou-nos entre biliões de homens e mulheres, entre
gerações e gerações de seres errantes pela Terra.
Talvez não tenha sido um encontro
fortuito, fruto do acaso. Que sabemos nós?
Alguém nos bate à porta num
momento difícil de angústia perante o reconhecimento da nossa finitude. Oferece-nos
— não o mundo ou poder absoluto, como Santanás fez a Jesus Cristo na sua
provação pelo deserto — mas tão-só uma oportunidade.
Em todas as vidas surge esta
perceção, a sensação de termos sido escolhidos, agraciados por um convite. Então,
cautelosos, dizemos que não, ou, desesperados, dizemos que sim. Não conseguimos
porém explicar ainda qualquer das decisões com convicção.
Se recusarmos nada acontece. A
vida continua a rolar na sua inércia física, natural, como antes. Se dissermos
que sim, estamos numa relação com Deus. O compromisso e a dedicação para com
este vínculo recém-chegado passou então para o nosso lado.
Deus está para sempre e por todo
lado. Ficará por isso para sempre connosco. Porém, apenas alguns encontros são
profundamente íntimos: o momento da paixão é um deles.
Camões descreveu essa nova
condição naquele terceto:" É querer estar preso por vontade/ É servir
a quem vence, o vencedor/ É ter com quem nos mata lealdade."; Paulo de
Tarso caiu do seu cavalo quando esta paixão o fulminou. A sua paixão era tão
grande e a sua natureza tão dotada que mudou a história de parte do mundo em
que hoje vivemos. Tornou esse vínculo que era étnico e circunscrito, numa
possibilidade universal.
Bibliografia:
“São Paulo, Apocalipse e
Conversão” de António de Castro Caeiro - Aletheia, 2014, Lisboa
“Esperar contra toda a Esperança”
de José Tolentino Mendonça – UCP editores, 2015, Lisboa
2 comentários:
Belíssima reflexão que gostei de ler e ouvir.
Fez-me pensar. O tempo verdadeiro, que passa de qualquer modo, é independente das coisas e do seu acontecer. Há o abismo do tempo: a nossa tragicidade, a nossa finitude. Contudo, a brecha que se abre na nossa desesperança nem sempre nos deixa vislumbrar Deus. Será a vida humana uma possibilidade de Deus? A esperança ajuda-nos a celebrar as pequenas coisas da vida. E talvez seja necessário procurar a Luz porque só ela revela a verdade até que nada lhe resista. Deus não cabe num conceito, não é traduzível por nenhuma imagem. Transcende qualquer nome. Que sabemos nós? Que sei eu?
Um abraço meu Amigo Luís.
Querido amigo, como a Graça disse, "que sabemos nós?".
Essa reflexão é profundíssima.
Obrigada
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