14/10/2022

Transformação

 Após ouvir «O ator» de Herberto Hélder na voz de Carlos Cerqueira, voltei ao ditado sem baias ou filtros do inconsciente:


Silêncio.

A mente brilha,

ativa no seu canto de sol e poeira.


As tempestades vão e voltam (às vezes)

deixando pelo deserto uma água 

que se faz duna,

duna de peixes,

múmias orantes a outras múmias.


Não te aflijas, porque tudo passa:

as nuvens carregadas de noites,

a barba que desfazemos pela manhã,

até mesmo o croissant simples,

pequeno deus da burguesia,

se vai, dentada a dentada,

espiritualizando.


E mesmo que a chuva caía

enquanto o trovão ribomba,

a pintora pincela deslizante

a mais famosa seca de antanho.


A própria a raiva não é raiva,

mas  a memória torrencial do crime,

porque tudo é outra coisa,

tudo é discutível desde os gregos.


Só este gato que brinca a meus pés

consegue explicar-me com certeza

o aprazível segredo de um instante.



1 comentário:

solfirmino disse...

Porque tudo é outra coisa...
Como sua poesia é singular, Luis. Bravo!