07/12/2020

A conspiração

Caros senhores e senhoras,

Ao levantar-me  hoje pela manhã, olhei o vazio que se estende infinto por cima das nossas acomodadas cabeças  e percebi que não  há obviamente uma conspiração dos patos.
Se a houvesse, os seus bandos não passariam sob a minha casa, grasnando com o desalinho de uma banda filarmónica nos primeiros ensaios. 
Também os pardais de olhinhos redondos e plácidos não suscitam em mim qualquer duvida quanto à sua  fidelidade à espécie humana.
As formigas, essas sim.
Vejo-as silenciosas e intrépidas calcando paredes e tetos sem descanso no vácuo da noite.
Quando se encontram trocam secretas e curtas mensagens. 
Cada uma delas saberá apenas de um rebite, de um parafuso, de uma porca ou de um milímetro de aço desse  navio que as levará durante o  dilúvio à Ilha do Mel.
Até aí nada contra. 
Mas porque passeiam elas nos olhos dos  animais que surgem mortos pelos campos sem causa aparente? 
O que levam elas daqueles cadáveres, se não a alma dos pobres animais? 

Chamem-me louco se quiserem. Porém, insisto: o que levam elas? Ninguém vê, não  é? Pois não. Alguém já  viu uma alma? Quanto mais uma pequenissima fração dessa alma roubada  que cada uma delas  transporta.

Para os mais céticos, uma pergunta final:
Porque em riste se levantam dos seus capacetes de bronze duas laboriosas antenas?

Admitamos humildes que não sabemos o que não sabemos.
E a única aproximação aos mistérios da natureza alavanca-se  na nossa mesquinha desconfiança e constante vigília. 
Por isso, estejamos  atentos. E façamos perguntas, caramba. Não deixemos que os nossos olhos se habituem ao meticuloso desmanche do mundo. Sim, desse mundo, senhores, no qual, e apesar de tudo, sobrevivemos.

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