23/05/2020

Ode à vida

     In memoriam Luiz Pacheco


Deixem entrar as moscas.

Abram as portas
para os vermes rastejarem
defronte da Smart TV.

Deixem  as canas crescerem
por detrás dos biombos chineses.

E que os fungos, ó senhorios,
vos pintem os recantos das paredes.

E que todos os pelos do corpo
se alonguem até à exaustão.

E que as barbas rastejem pelo chão
marcando um rastro de serpente
sobre o pó lamacento do hall.

Deixem cair o telhado
e vejam as estrelas.

Entrelacem os membros
dentro da cama húmida
num puzzle de suor e germes
que também são vida, caramba!

E quando os javalis e as estevas
partilharem a cozinha
e os gamos e os cavalos raparem
os últimos vestígios do jardim,
estás livre.

Nasce outra vez.

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