Cruzada das mulheres e crianças - Foto de Orlando Catarino |
Transpor um texto dramático para o palco é partilhá-lo
com um coletivo de sensibilidades, histórias pessoais, esperanças e
interpretações. É uma responsabilidade fabulosa a possibilidade de semear o
espírito dos atores, encenadores, cenógrafos e figurinistas. E no final,
entregar um espectáculo que pretende agradar ao público, tornando-o também mais
sábio sobre as coisas da humanidade.
Este texto, onde o “drama”, como o género onde o Homem é fruto das suas
paixões, se mistura com a “tragédia”, como o género onde o destino é ditado
pela vontade divinal, nasceu há 20 anos atrás, depois do Teatro Passagem de
Nível estrear a obra simbolista de António Patrício, “Pedro, o crú”. A
iniciativa de o escrever foi uma tentativa de prolongar esse espectáculo onde
participei e resolver eventualmente alguns conflitos interiores surgidos
durante o estudo do papel de D.Pedro I que eu mesmo interpretei nessa altura
(1995). Seguindo o mote das séries americanas, “A moura” é uma sequela ou uma
segunda temporada de “Pedro, o crú” de António Patrício. Por essa razão,
transparece aqui ou ali um pequeno travo de simbolismo requentado, dirão uns,
ou ressuscitado, dirão outros mais benevolentes.
Porque me entusiasma a ideia de
que o trabalho do autor se integre num grupo de atores, num contexto social e
num determinado público, escrevi os restantes dois atos (Há 20 anos atrás a
peça não ficou concluída) com o objetivo de ir ao encontro da estratégia da
direção do TPN em ampliar o seu número de atores, associados e “companheiros de
estrada” na cidade da Amadora. Não posso deixar de referir que as motivações
estéticas e mesmo aquelas que me levaram
a optar pelo género histórico são devido à comunhão que existe entre mim e o
Porfírio Lopes, encenador deste espetáculo, pelo teatro onde a “Palavra” assume
o papel principal pela animação da consciência humana, refreando as últimas
tendências de um teatro mais plástico, quase “facebookiano”, onde as palavras
tem um papel e uma aparição minimal.
Baseei as personagens principais
num conjunto de referências clássicas por estar convicto que a dimensão temporal consegue distinguir o
importante do acessório e que o Homem
tem qualidades intrínsecas comuns, quer ele seja uma personagem do século XIII,
como uma personagem contemporânea. Fiz ainda questão que por entre os
conflitos da ambição e da inveja, da
paixão jovem e da tardia, da vingança ou do perdão, se afirmasse o valor da fé
e da crença intuitiva como forma de transformação histórica (Cruzada das
mulheres e crianças) - não fossemos nós, os portugueses, um povo profundamente
obstinado e corajoso nos momentos decisivos. Escreveu José Mattoso, no seu
livro “Identidade Nacional”, que Portugal não se define apenas através de uma
dimensão geográfica ou política, mas também por um conjunto de vontades,
representadas pelas culturas dos mais diversos povos que se foram acumulando e
relacionando neste pequeno rectângulo restringido pelo mar e pelos restantes
povos ibéricos. “A moura” inspira-se num pequeno fragmento dessa relação cultural e emocional tão
diversa como é a nossa história.
Confesso que o primeiro nome da
peça era “O primeiro milagre de Fátima” porque queria realçar a intervenção
divina no desenlace desta estória. Em forma de contrapoder filosófico, apraz-me
a ideia do deus ex machina das
tragédias clássicas que altera definitivamente o destino das personagens, ainda
que agora a sua ação seja levada à prática pela interpretação feita pelos
mortais dos sinais revelados pela divindade (milagre). A intenção desta peripécia é realçar o papel da fé e do destino como
forma de combate a um pensamento dominante
demasiado lógico e cada vez mais niilista (carateristica de quem
acredita que não existe um sentido na vida) que a meu ver é preciso balizar. Pois,
o teatro, ainda que disfarçado pelas suas tramas ou condimentado pelo género histórico, tem
sempre o intuito de proporcionar ao espetador uma leitura social dos problemas
da atualidade e humildemente apresentar ou dar contributos para uma solução.
Para finalizar, queria agradecer
ao Domingos Galamba (dramaturgo), Alexandre Andrade (escritor), Miguel Gomes
Marins (Historiador) e Catarina Belo (Filosofa) o seu apoio durante a escrita
deste texto.
Amadora,
20 de dezembro de 2014
Luís
Palma Gomes (autor)
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