28/07/2025

Diário Impessoal - Esperança

Tenho, por agora, o trabalho mais entediante do mundo: formatar PCs, como Sísifo empurrando a pedra colina acima vezes sem conta. Segundo Albert Camus, o sentido da vida é precisamente lutar contra o absurdo de não haver sentido.

Não me julgo nem mais nem menos desafortunado do que o talhante que corta bifes todo o dia, ou do que o segurança que vigia corredores vazios e olhares suspeitos.

Sempre, contudo, me tentei furtar à repetição, ao tédio do gesto previsto — ainda que essa tentação de fuga à rotina me tenha garantido muitos anos em vários tipos de presídio.

Mas não há como me conformar com a pedra rolante que empurro até ao cimo da colina para, depois, a deixar rolar até cá em baixo. Já preparo, em segredo, um plano para escapar à condenação, à multa, à pena. E nem a mim mesmo o revelo, por medo de me trair a mim próprio.

Sou a Pandora que guarda dentro do vaso o demónio da esperança, para o soltar no momento certo — como quem solta fogo de artifício numa noite de lua nova, como alguém que quer, de novo, experimentar o primeiro olhar das coisas que as crianças conseguem.

2 comentários:

Graça Pires disse...

Em vários momentos da vida nos sentimos como Sísifo. Quando chegamos ao cimo com o pedregulho que nos fez suar, ele rebola para baixo. Resta-nos a esperança que Pandora guardou e experimentar esse primeiro olhar que tivemos sobre algo que amamos. Gostei da reflexão.
Tudo de bom, meu amigo Luís.
Um beijo.

Linda's Relaxing Lair disse...

Repetition is fine in some cases but it is good to get out of the rut for the element of surprise 😮 and to learn more. Warm greetings from Montreal, Canada ❤️ 🇨🇦