Não me julgo nem mais nem menos desafortunado do que o talhante que corta bifes todo o dia, ou do que o segurança que vigia corredores vazios e olhares suspeitos.
Sempre, contudo, me tentei furtar à repetição, ao tédio do gesto previsto — ainda que essa tentação de fuga à rotina me tenha garantido muitos anos em vários tipos de presídio.
Mas não há como me conformar com a pedra rolante que empurro até ao cimo da colina para, depois, a deixar rolar até cá em baixo. Já preparo, em segredo, um plano para escapar à condenação, à multa, à pena. E nem a mim mesmo o revelo, por medo de me trair a mim próprio.
Sou a Pandora que guarda dentro do vaso o demónio da esperança, para o soltar no momento certo — como quem solta fogo de artifício numa noite de lua nova, como alguém que quer, de novo, experimentar o primeiro olhar das coisas que as crianças conseguem.
1 comentário:
Em vários momentos da vida nos sentimos como Sísifo. Quando chegamos ao cimo com o pedregulho que nos fez suar, ele rebola para baixo. Resta-nos a esperança que Pandora guardou e experimentar esse primeiro olhar que tivemos sobre algo que amamos. Gostei da reflexão.
Tudo de bom, meu amigo Luís.
Um beijo.
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