22/01/2025

Pequenos poemas


I


Só quando os grilos cantam,
consigo ouvir o silêncio.


II


Dizes que, para mim, a poesia é um escape.
E se for ao contrário?
Se for a vida 
a enchê-la de fumo?


III


Em setembro
as ondas ainda cabiam dentro de nós.

IV

Vou aprendendo a operar com o meu corpo sexagenário,
 como alguém que se habitua a fazer chamadas com o telemóvel partido.

V

Ao contrário de mim,
tu nunca gostaste do Montijo.

E, por ironia do destino,
o montijo é o que eu mais gosto em ti.

VI

Agora que as depressões meteorológicas têm nomes,
Como se chamará a minha?

VII

Traço um mapa vivo sobre o teu corpo, 
como se estendesse uma rede ansiosa
por apanhar um rio.

VIII

A manhã está negra
como se o norte viesse
buscar o filho à escola.

IX

"Não podemos ter tudo.",  escrevi 20 vezes.
Ainda assim não acredito.

X

Dizem que pagava às prostitutas

 para lhe ouvirem os poemas.


Dizem que ele pensou em suicidar-se, mas deixou isso para tempos melhores.


XI


Quando o pai morreu, o avô comprou-lhe uma tartaruga. 

E lentamente as coisas foram-se recompondo.


XII

A certeza é uma coisa morta: 

um pêssego sem caroço, 

um prego na relva, 

uma carpa que se convenceu

que aquilo não era um anzol. 


XIII


As flores sussurram afagos;

os vales gemem lembranças;

as estrelas gritam distâncias.

 

Mas só quando olhas para elas.


XIV


Parece que hoje não chove,

parece. 

Quando vai chover 

as vozes são outras 

e chove-me também. 

Por isso, eu sei 

que não vai chover,  

como aqueles galos de plástico

que mudam de cor 

quando isso acontece. 


XV

E quando lhe perguntaram numa entrevista "quando mais gosta de escrever poemas", ele  sem ironia respondeu "Enquando formato pcs."


XVI

Somos livres dentro de um aquário

 onde os vidros são feitos de tempo,

 e não de distância. 




2 comentários:

carlos perrotti disse...

Lo que es...
No lo que se ve.

Abrazo, amigo!!

Marcela Costa disse...

Para ler em voz baixa, porque senão afugentamos estes lindos pássaros.