Há vozes ao longe.
No aquário, os peixes perseguem-se.
Finjo entendê-los, como entenderia a tradução de um poema islandês.
A luz entra por um estreito vitral que inventei na sala.
É a manhã a desfazer a noite.
Há de novo esperança, mas não muita.
Apenas uma nesga, uma mão cheia,
o feixe suficiente para sobrevivermos
com uma só ração de combate.
Devem ser quase horas para qualquer coisa.
Não sei bem o quê, mas é sempre assim.
Sempre uma coisa a seguir à outra.
Tudo flui ou outra coisa parecida, escreveu Heráclito.
É difícil de traduzir, o grego antigo.
Mas é isso: nunca sabemos nada com exatidão
porque tudo se mexe continuamente: placas tectónicas, conceitos.
Mesmo frases fundamentais movem-se sem darmos por isso,
como caracóis noturnos escalando as paredes da adega.
Onde estarei eu agora em criança?
Provavelmente, deitado sobre a duna,
olhando o escaravelho preto
e o seu longo rasto por entre os cardos bicudos.
A minha mãe está do outro lado — segura e aliviada —
descansando da semana de trabalho na fábrica bombástica.
O meu irmão brinca à sua frente numa poça tépida.
Ela, confiante, porque sabe e sente
que ando entretido pela Terra
Criado pelo DALLL E 3 |
2 comentários:
Também quero ser criança de novo, olhando o escaravelho na duna e andar entretido pela terra sob o olhar atento da minha mãe para me livrar da vertigem das sombras. Quero mesmo, meu Amigo Luís.
Desejo que esteja bem.
Um beijo.
Seria bom voltar à infância... para me encantar com o bichos-de-conta e me maravilhar com a fragilidade das asas das borboletas.
Saudações cordiais e bom Dia da Terra!
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