20/04/2024

Entretenimento

Há vozes ao longe.

No aquário, os peixes perseguem-se.

Finjo entendê-los, como entenderia a tradução de um poema islandês.

A luz entra por um estreito vitral que inventei na sala.

É a manhã a desfazer a noite.

Há de novo esperança, mas não muita.

Apenas uma nesga, uma mão cheia,

o feixe suficiente para sobrevivermos

com uma só ração de combate.


Devem ser quase horas para qualquer coisa.

Não sei bem o quê, mas é sempre assim.

Sempre uma coisa a seguir à outra.

Tudo flui ou outra coisa parecida, escreveu Heráclito.

É difícil de traduzir, o grego antigo.

Mas é isso: nunca sabemos nada com exatidão

 porque tudo se mexe continuamente: placas tectónicas, conceitos. 

 Mesmo frases fundamentais movem-se sem darmos por isso,

 como caracóis noturnos escalando as paredes da adega. 


Onde estarei eu agora em criança?

Provavelmente, deitado sobre a duna, 

olhando o escaravelho preto

e o seu longo rasto por entre os cardos bicudos.

A minha mãe está do outro lado — segura e aliviada —

descansando da semana de trabalho na fábrica bombástica.

O meu irmão brinca à sua frente numa poça tépida.

Ela, confiante, porque sabe e sente 

que ando entretido pela Terra


Criado pelo DALLL E 3




2 comentários:

Graça Pires disse...

Também quero ser criança de novo, olhando o escaravelho na duna e andar entretido pela terra sob o olhar atento da minha mãe para me livrar da vertigem das sombras. Quero mesmo, meu Amigo Luís.
Desejo que esteja bem.
Um beijo.

São disse...

Seria bom voltar à infância... para me encantar com o bichos-de-conta e me maravilhar com a fragilidade das asas das borboletas.


Saudações cordiais e bom Dia da Terra!