07/05/2022

Fantasmas




 Afinal, há fantasmas. E ainda bem. Vêm-nos buscar à porta quando chegamos cansados do trabalho a que nos submetemos — maldito século cheio de máquinas mais furiosas que trinta Godzillas irados no topo dos arranha-céus de Manhattan. 

Afinal, há fantasmas, passeando no hall, imperturbáveis no seu caminhar deslizante de passerelle. São nobres frágeis, espadachins assustados, os gatos. Mesmo mortos, continuam no mesmo passo e jeito a andar por aqui. Os seus espectros são, porém, mais reais que muitas outras coisas da casa.  Sofás, tapetes, armários, portas, janelas devem parte do seu significado a esses pequenos felinos. 

Deitam-se ao nosso colo e lambem-nos as feridas invisíveis. Assim escondidas, as feridas ganham uma intimidade connosco que pode durar anos, uma vida até. Se há palavra que os gatos percebem, é essa mesma: «Intimidade». Só mesmo eles — pacientes, compassivos — conseguem esperar que as nossas feridas difusas se revelem autênticas, sob a luz amarelenta de um candeeiro de cabeceira, para as lamber depois.



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