18/10/2025

O invisível ofício


Não me digam nada acerca de literatura.
Se me disserem alguma coisa, vou pensar que se trata de uma atividade social, daquelas sobre as quais se tagarela como se de um jogo de futebol se tratasse — ou, na versão mais dececionante, que se reduz ao eco vaidoso das leituras dos interlocutores.

Suspendo, porém, o juízo, para perguntar se este desconforto não será apenas um sentimento meu de inferioridade ao ouvir gente tão culta e erudita a falar sobre livros e escrituras. Eu, certamente, balbuciaria; encontraria muletas e tiques de linguagem; soletraria o nome dos autores de forma estranha, tão pueril que se diria ser a primeira vez que os dizia.

Sinceramente, toda esta minha incompetência social para a partilha de referências, experiências e opiniões deve-se à falta de treino. Ainda que leia mais do que a maioria das pessoas, e escreva sem objetivo, indo diariamente enchendo blocos, como este.

Como dizia Fernando Pessoa, escrever é a minha forma de estar sozinho. Talvez por isso o presencismo — o grupo da Presença — seja a forma de estar do mundo literário que mais me deixa respirar: estar só, e por essa via, aproximar-me da autenticidade.

O Cântico Negro, de Régio, é o manifesto desse impulso, o hino dessa agregação de almas desagregadas que foi a revista Presença:

“Vem por aqui — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: vem por aqui!
Eu olho-os com olhos lassos,
Há, nos meus olhos, ironias e cansaços
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali.”

Torga foi o seu expoente ético — o da rudeza honesta, da fidelidade a uma ideia exclusiva de si mesmo. O seu “mau feitio” era a tática possível para garantir a integridade. Disse, com a limpidez de quem se mede pela montanha:

 “O universal é o local sem muros.”

“Não sou um poeta de exceção,
Sou um homem vulgar
Que viu, na terra, o céu e o inferno,
E não pôde calar.”

Pessoa escreveu:

 “Deixem-me sozinho,
Deixem-me ir para o diabo.
Por que havemos de ir juntos?”



Antes deles, Hölderlin e Montaigne fecharam-se em torres. Também sinto a necessidade de ver e ouvir, em vez de ler, e depois isolar-me — para exprimir a sós os efeitos dessas experiências, com a minha condição simples e anónima, dentro dos limites finitos da minha humildade.





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