27/09/2025

Porque eu, porque ele

Amadora, 27 de Setembro 2025


Amadora, 27 de Setembro 2025


Nuvens, pássaros, telhados. Por esta ordem  alinha-se e prolonga-se a paisagem fora de mim.

Dentro, é diferente: um deserto minúsculo. Dou dois passos e já estou na juventude.

Mais dois, e entro na sala de aula, na profunda infância. O movimento é vertical, em queda.

Logo retorno aos sons e cheiros que já não existem. E por isso mesmo existem, mas agora através da sua ausência definitiva.

Não são apenas as pessoas que morrem à nossa volta. Morrem também os cheiros, os paladares, as sensações em geral. 

Pergunto ao corpo pelo cheiro da cera no chão; pelo sabor do arroz de bacalhau; pela sinfonia romântica de uma manhã de nevoeiro em Peniche.

Mas pior do que isso é esquecer a cruz, os cravos a romper os tecidos da mão, os buracos das lanças no lombo,o pano encharcado em vinagre nas trombas.

Há pouca dor, muita distração e analgésicos.

É normal que prefiramos a anestesia. E depois…

Depois de nos aliviarmos da nossa dor, é natural que não suportemos a dos outros.


Amadora, 15 de setembro de 2025


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