06/09/2025

Inventário de impressões luminosas


Desculpa-me esta luz bárbara.

Não há manhã que não insista, que não nos segrede os seus caprichos longínquos ou, pelo menos, os pequenos deveres: arrumar as roupas de verão, reparar o varão, substituir as portas do roupeiro.


II

Não entendes o campismo, as coisas simples, a humildade ou a prosápia das incomodidades.

A fila para as casas de banho habituar-te-á ao purgatório, mas aqui com cheiro de água e sabão em vez de enxofre.

Guardamos na memória estes curtos sinais da infância como quem dispõe ímanes de recordação nas portas do frigorífico.


III

Não há vida em Marte. E mesmo que houvesse, não a haveria em Júpiter ou Saturno.

É isso que nos interessa: que haja lugares sem vida, para podermos comprazer-nos nas ervas que crescem frescas à beira do jardim.


IV

As osgas são bichos feios, dizem.

Mas eu adoro-as e imagino-as do meu tamanho, a comer mosquitos e bifanas ao balcão daqueles cafés em redor das estações de comboios.

Ali conversam, circunspectas, sobre a cor dos azulejos e o espectro da luz que recai sobre os cantos da casa onde afinal gostariam de caçar.


Sem comentários: