Nada temas,
nem o mais sereno dos lugares
onde repousarás para sempre.
Lembra-te que terás um lar fresco.
O teu epitáfio
será traçado no mármore cinzento,
com veios dourados,
claros de propósito,
para explicar aos outros
os caminhos sinuosos —
mas diligentes —
que te fizeram seguir os passos,
as cartas, os amigos,
as necessidades, sobretudo.
Entregarás a casa-castelo ao teu filho.
E talvez a tua alma vagueie
apenas entre duas divisões,
pois não me parece
que um fantasma precise
de mais do que um quarto
e uma sala de estar para ser feliz.
Com sorte,
um retrato teu ficará sobre o móvel
para que, de dois em dois anos,
um ente insuspeito pergunte
quem era aquele da barba forte.
Os teus livros
ficarão cobertos de pó na estante.
Os manuscritos, no lixo.
Assim se erradicará
esse teu apego angustiante à honra,
coisa de gregos antigos,
cercando cidades
só para resgatar a mais bela.
Lembra-te:
o rouxinol continuará a cantar,
as gaivotas a vasculhar o lixo,
os sargos a petiscar numa rocha
que conheceste outrora no Portinho da Arrábida.
Vá, não desmoreças.
Não será assim tão má,
a sereníssima noite.
O teu clube tem ganho tão pouco
que já nem sentirás falta
da alegria esfuziante
que te arrebatava na barraca das bifanas,
quando vencias 3-0 para o campeonato.
E se ainda assim
este ânimo for pouco,
lembra-te a ciência dos homens
que toda a vida nasceu
de uma célula apenas.
E tu, que tiveste tantas,
como não haverias de achar
que foste afinal
o mais sortudo dos homens?
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