03/07/2024

O criador de peixes

 Dou de comer aos peixes logo pela manhã. Trouxe-os outrora da loja, dentro dum saco que bem podia ser a Arca de Noé. Os lojistas sabiam exatamente a temperatura e a acidez adequada da água. Senti por isso que os expulsei do Paraíso. Agora estão por minha conta, sou a mão providencial que lhes sustenta a vida. 

Nunca esperei deles qualquer tipo de veneração, duvido que a façam. Pelo contrário, sou eu que os  contemplo com o calor distante de um Criador que tem tanto para fazer. A minha pequena magnitude deve tê-los feito ateus. Não lhes levo a mal a falta de fé.

Quando os sinos tocam, reúnem-se sempre esfomeados. Em vez de algumas palavras de conforto e hóstias, dou-lhes uma pequena porção de granulado verde. 

Enquanto se agitam, devoradores, fico dez segundos a olhá-los ao longe. Depois viro-lhes as costas e pergunto-me o que pensaram eles desta nossa relação transcendental?

3 comentários:

carlos perrotti disse...

Cavilaciones trascendentales, y muy sinceras, por cierto...
Me encantó, amigo.
Abrazo hasta vos (en la Bolsa de Gatos hay un comentario de Liz valorando tu poema)

lis disse...

Essa preocupação transcendental_ esse olhar para o outro
que precisamos tanto !
Gostei das suas crônicas.
Tenho uma felina aos meus pés, isso credita lê-lo mais.
Bons dias

El Sentir del Poeta disse...

Querido amigo me encanto tu relato.
Que tengas un hermoso dia
Cariños y besos