(Todas as manhãs, a gata espera que eu lhe abra a porta da rua)
I
A gata espera todos os dias diante da porta fechada.
Entendo-lhe o tédio e a (im)paciência.
Porém, como faria o Criador, tranco a porta à chave,
não vá o caos entornar-se sobre as suas frágeis patas.
II
A gata leu as cartas da Soror Mariana
e agora espera atrás da porta a vinda do cavaleiro francês.
Depois salta e empurra-a com as patas, vezes sem conta.
O desejo enlouquece-a, faz-lhe perder o sentido doméstico da vida.
Soletro-lhe eu em gatês para que ela, ainda que a custo, perceba:
"Também Eva queria sempre mais e lixou-se."
"Para mim, ela atirou-se da ponte abaixo para a vida",
responde-me a bicha com o seu súbito alfabeto de olhares.
III
Espera, gatinha, espera.
Se te abrisse a porta ias perder toda essa esperança
que te alumia (e devora).
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