Contínuo a ler os diários do Miguel Torga. Os seus registos produzem-me o efeito de um segredo contado ao ouvido.
Fazem também lembrar-me as gravações que perduram nas caixas negras dos aviões depois da queda: gritos, murmúrios, aflições trocadas entre a tripulação durante a descida abrupta e descontrolada.É assim a vida dos mortais: cheia de frases inconsequentes, desligadas entre si, enquanto a nave cai.
A diferença do Torga é que pôde escrevê-las com mestria. As dos demais perdem-se para sempre no éter universal.
1 comentário:
Grata pelas suas impressões, com um toque poético, sobre os Diários
de Miguel Torga.
Confesso que desses Diários apenas conheço alguns excertos, publicados no Xaile de Seda, como por exemplo:
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
in "Diário (1941)"
E também refere-se nestes termos à sua segunda pátria, Brasil, no seu livro Diário, de 1957:
Pátria de emigração,
É num poema que te posso ter...
A terra - possessiva inspiração;
E os rios -como versos a correr (...)
Guardei-te como pude
Onde podia;
Na doce quietude
Da força represada da poesia.
Desculpe este comentário tão extenso.
Um abraço
Olinda
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