"Já não tornarei a ser aquilo que talvez eu nunca fosse",
Fernando Pessoa em "O marinheiro"
Ao Ricardo Andrade
Só a vida é que nos mata.
O passado respira saudável num campo de feno à beira de um rio,
onde corremos sem nos cansar horas a fio.
O futuro treme de frio, ou nem sequer isso.
Treme como um pescoço sem força
para pendurar tantas medalhas inventadas.
Quem me dera apodrecer em serenidade,
mas o grito do comboio que passa aqui ao lado,
não me deixa descansado.
Quem me dera adormecer para sempre num esquife de prata,
onde pudesse ler eternamente livros de banda desenhada,
enquanto esperava bolachas e limonada,
que a minha mãe traria à hora marcada.
Mas sei que as formigas que passam na estrada,
roer-me-iam os livros, comer-me-iam as bolachas.
Pergunto ajoelhado às nuvens que passam e passam:
se a esperança não é afinal um efeito de ficarmos sem nada?
E nesse perpétuo movimento do vapor de água
entendo finalmente o sentido futuro das almas passadas.
Olho para o lado e rio-me, porque vejo uma criança.
E vou fazer a cama, com o prazer comedido
que a mínima ordem traz às manhãs em que penso demasiado.
Sem comentários:
Enviar um comentário