11/06/2023

Elegia para madrugadores

São sete da manhã e tudo treme já.

A pequena chuva que dissolveria o medo

cinge-o apenas pela cintura e depois dançam

a valsa da loucura, a mesma que Bovary dançou,

pela sala adentro.


O frio traz o resto: a última insónia,

a levitação dos andorinhões gritantes

(calaram-se, entretanto)

esses mesmos que assim ao longe 

lembram-te dragões gigantes 

que  dias antes voavam também estridentes

num filme da Disney, depois do almoço.


São sete da manhã,

a hora certa para a angústia te subir à boca como um credo

e, ainda no lazer da cama,

o corpo convida-te a andar sobre vidro,

onde as chamas te lamberão os pés de barro ou  de lenha 

que outrora foram (já nem te lembras bem porquê)

de sangue vivo.










6 comentários:

Luna disse...

Fantástico poema adornado de uma bela imagem.
Penso que todos em algum momento vivem no labirinto da mente e nem sempre existe o cordão de Ariadne

lis disse...

O lirismo me toca profundamente.
E amo essa leveza com que o poema é conduzido_ a dança as sete da manhã.
Um passeio nessa primeira página me convida a voltar e ler e ler.
Obrigada por trazer-me aqui, e Parabéns.

Jaime Portela disse...

Dizem que os madrugadores são mais diligentes. Era essa a ideia que havia nas aldeias, levando a que os mais dorminhocos se levantassem cedo para abrir as janelas e voltassem para a cama...
Magnífico poema, gostei de vários aspetos, nomeadamente da estrutura.
Boa semana, caro Luís.
Um abraço.

Graça Pires disse...

Sou madrugadora. E de repente senti-me Bovary a dançar a valsa da loucura, ou fiz parte do coro de Antígona, afirmando: "o homem nada sabe sem queimar os seu pés no fogo ardente". Parada diante da imagem tive vertigens não pela altitude, mas pela beleza.
Tudo de bom, meu Amigo Luís.
Um beijo.

manuela barroso disse...

São raras as madrugadas que me arrefecem os olhos.
Mas imaginando essa valsa de chuva miúda faria dos andorinhões meus convidados voando com eles.E o corpo desenrolar-se ia-se nos minutos viciados do vidro.
Bela imagem
Obrigada, Pedro , pela sua visita e palavras que retribuo.

Carlos augusto pereyra martinez disse...

Un poema que en medio del sueño aún de madrugada, ya frágil deja espacio para la angustia de un ser que siente que el tiempo ha hecho frágil sus pies, y por ende su misma vida, ahora sin un soporte fuerte