28/03/2022

A marcha

Nota de Intenção


Não devia publicar a minha cruz, nem sobrecarregar os teus ombros com o meu corpo cansado; outras vezes, sem vontade atirado ao insuficiente dia que me espera. 

Aceita esta minha confissão e guarda-a onde puderes: num leve lapso de memória ou nesse largo mistério que nos move a que chamamos esquecimento.


A MARCHA

Ouviste tu, irmão, falar na longa marcha da derrota?

Talvez os meus passos lunares
não tenham deixado um rasto platinado
para que possas agora recordá-la.

Silenciei com um gesto toda a orquestra.
E deixei que as cinzas enchessem a sala do concerto,
enquanto escapei às arrecuas pela escada de incêndio.

Agora o dia reclama-me
mais por hábito que por convicção.
E vou de multidão em multidão 
com a estranha incompetência de estar só.

Quando puder, 
encostar-me-ei à margem.
E  sentado no lancil 
esperarei a vinda da próxima ilusão
até se esgotar a areia que rola indiferente 
no relógio da parede  que arde à tua frente.

(Desculpa-me a tristeza)

2 comentários:

Luís Palma Gomes disse...

Luis, gostei muito do que li e senti. Fica no ar o silêncio dessas tuas palavras que traduzem beleza contida e uma alma própria e profunda. (Joaquim Cardoso Dias -Poeta)

Luís Palma Gomes disse...

Belo, porque verdadeiro.

(Prof.Castro Caeiro)