Nem mais um poema escreverei.
Nem palavra, silaba ou fonema.
Nada. A...ca...bou!
Chega de lama, indiferença.
Medo da diferença.
Chega de metáforas,
Sinestesias, aliterações
E metonímias.
De escrever e rescrever
O poema dias e dias
verso a verso
estrofe a estrofe
sem ouvir um elogio que seja.
E quando aparece o poeta
é só a sua cabeça numa bandeja.
Basta de implorar que ouçam,
Que me leiam
Disfarçado num pseudónimo
Para não perder o emprego,
Nem a credibilidade
Da minha sanidade mental.
Poeta reles, reles poeta
Como se fosse preciso o adjectivo
Para me dizerem: “Cala-te, cala-te, cala-te.
Vai dar sangue, pá!”
Terei no limite de morrer
Para saber o que valho?
Ó esperança vã, má fortuna, amor errante.
Não! Não creio em mim.
Sou um primo muito muito muito distante
Do verdadeiro Dante.
Não, não me aplaudam,
Não finjam que gostam.
O cinismo venceu, pronto.
Como vão compreender
A minha dor comezinha
se nem de Cristo se apiedam
Ao vê-lo a sangrar na cruz?
Não vale a pena.
Poema a partir de agora
Só se for para letra de canção
Para que ele pareça um remédio amargo
Impossível de beber sem açúcar.
Comigo não contem.
Tenho já a minha conta,
A minha dignidade,
Também já, alguma idade.
A suficiente para não fazer conceções,
Para não ter ilusões.
Se escrever mais um poema
Será o meu epitáfio
E nada mais.
Porque tenho a esperança
Que milhões e milhões de anos depois
Da minha morte
Marcianos ou gente distante
Leiam a lápide e com sorte,
Digam: ”Que poeta, este.”
Não! É melhor não escrever
Nem para essa gente de Marte.
Seria certamente
a minha mais longínqua desilusão.
Também tu, Ó universo, tendes razão:
Não tenho arte.
É por isso que já tomei a decisão.
E a escrevi em ata
Com assinatura reconhecida
No melhor notário da Baixa
De que não escreverei
Nem mais um poema sequer.
Pelo menos, até amanhã.
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