28/10/2025

Novembro

Era um dia qualquer,

cinzento,

perto de novembro.


Os peixes cantavam

no seu desenho de lua e mar.


E também eu teria cantado,

se não tivesse tantas contas para pagar,

mais de mil obrigações

que me faziam escravo da gleba,

mujique russo do século XIX,

prisioneiro de guerra

a quem, por prémio da luta,

deram um cárcere.


Nada acontece porque acontece.

Deus não joga aos dados.


Tem de haver uma lógica transcendente

entre o primeiro e o último dia.


O padre Vieira,

num púlpito em São Roque,

repetindo dezenas de vezes

o pulvis es, et in pulverem reverteris.


Quando o povo saía primeiro da missa,

depois os nobres

e os endinheirados,

corria um vento,

uma brisa talvez,

que levava esse pó

e o espalhava

pelos quatro cantos do mundo.


Amadora, 28 de Outubro de 2025

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