Era um dia qualquer,
cinzento,
perto de novembro.
Os peixes cantavam
no seu desenho de lua e mar.
E também eu teria cantado,
se não tivesse tantas contas para pagar,
mais de mil obrigações
que me faziam escravo da gleba,
mujique russo do século XIX,
prisioneiro de guerra
a quem, por prémio da luta,
deram um cárcere.
Nada acontece porque acontece.
Deus não joga aos dados.
Tem de haver uma lógica transcendente
entre o primeiro e o último dia.
O padre Vieira,
num púlpito em São Roque,
repetindo dezenas de vezes
o pulvis es, et in pulverem reverteris.
Quando o povo saía primeiro da missa,
depois os nobres
e os endinheirados,
corria um vento,
uma brisa talvez,
que levava esse pó
e o espalhava
pelos quatro cantos do mundo.
Amadora, 28 de Outubro de 2025
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