Queluz, 1 de Outubro de 2025
Se já não pertenço aqui, onde pertenço então?
A que morada celestial me levarão os anjos, os tronos, as potestades — toda essa hierarquia que esvoaça silenciosa por aí?
Se não os consegues ouvir, cala-te então.
Faz um jejum intermitente de pensamentos que nem chegam a sê-lo: talvez apenas zumbidos nos ouvidos, miados convulsivos, sinais sem significado.
O mais fácil é não ter morada certa: ser no mundo o cigano das feiras, o cão vadio assustado, pedindo com o rabo entre as pernas o osso buco que sobrou da véspera.
Longe está a casa da infância, a felicidade por provar da juventude, o apelo da selva, o tributo pago às convenções.
E agora, que me afastei, vejo toda a minha vida como uma paisagem distante.
Sou um vagabundo sem apegos, nem hábitos, a não ser o de procurar aquilo que finjo não saber o que é.
Tenho o destino tortuoso da semente voadora, que não sabe onde vai cair, nem o que germinará no final.
“O meu destino é a viagem”, deve ter escrito Pessoa.
“Navegar é preciso, viver não é preciso”, cantou o Chico mais de uma dúzia de vezes.
E nesta manhã feita de frases gastas que me cimentam a memória, descubro então que a minha vocação é desfazer-me para ficar inteiro.
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