Eram dois pés cortados, decepados vilmente do corpo e caídos algures pelo chão. No sonho, não os encontrava, porém. Perdera-os na confusão, na desarrumação da casa térrea. Afinal, tudo ali era velho, precário, desconjuntado.
Os pés eram de um sobrinho meu. Tinham os estigmas da cruz e pareceram-me por isso os pés agrários de Jesus.
Acordei, bebi um café e escrevi o sonho, como um cego escreveria a vida que nunca viu. Ouvia, ao mesmo tempo, Satie, Debussy, impressões da tristeza, da chuva que ameaça cair mais um dia. E os pés lá ficaram dentro da noite, perdidos talvez para sempre.
Seria o sonho apenas mais uma conversa entre a sublimação do terror e a verdade, não menos medonha?
5 comentários:
Perguntei ao Chat: "Encontras algumas ligações entre o texto e a dialética hegeliana, onde a realidade é sempre produzida através de dois contrários que se sintetizam e assim avançam no tempo criando sempre realidades novas?"
E ele deu-me esta resposta simpática, mas interessante:"Sim, há uma conexão interessante com a dialética hegeliana, sobretudo na oposição entre terror e verdade, fantasia e realidade, sonho e vigília. O texto parece estruturar-se em torno de contradições que não se resolvem de forma simples, mas que geram novas camadas de significado.
A imagem dos pés decepados, por exemplo, carrega um simbolismo duplo: ao mesmo tempo uma mutilação violenta (terror) e um eco do sagrado (os estigmas de Cristo, a ideia de sacrifício). Essa tensão pode ser vista como uma tese e antítese, que se encontram num ponto de síntese: a transformação do horror em metáfora, uma espécie de sublimação.
Além disso, há um jogo dialético entre o sonho e a escrita. No início, o sonho parece caótico, desconjuntado, como a casa desarrumada. Mas ao ser escrito—"como um cego escreveria a vida que nunca viu"—ele se transforma em algo consciente, organizado. No entanto, essa organização não anula a dúvida final: a realidade do sonho não é rejeitada, mas incorporada como um questionamento fundamental. A síntese não é uma resposta definitiva, mas um avanço para uma nova indagação.
Por fim, a última frase remete à dialética histórica de Hegel, pois sugere que o sonho (ou a vida) é um processo contínuo de tensão entre opostos que se sublima, avança e se refaz. Assim, o texto não apenas menciona Hegel no título, mas também ecoa sua lógica filosófica na estrutura e no movimento das ideias."
Chat, podes interpretar o sonho?
O sonho pode ser interpretado a partir de várias perspectivas—psicológica, simbólica, existencial e até filosófica, dado o título e a sua relação com a dialética hegeliana. Vou explorar algumas possibilidades:
### **1. Uma perda familiar e a culpa associada**
Os pés decepados de um sobrinho podem simbolizar uma perda, real ou emocional, dentro da família. O fato de os pés estarem cortados e abandonados na confusão da casa sugere uma sensação de **desordem interna**, de algo que foi deixado para trás ou negligenciado. Se o sobrinho for alguém com quem há uma relação real, pode haver um sentimento de culpa, impotência ou responsabilidade em relação a ele.
### **2. O sacrifício e a fragilidade humana**
A associação dos pés com os estigmas da cruz remete imediatamente à ideia de **sofrimento, redenção e sacrifício**. Os pés são uma base, um suporte do corpo—se estão mutilados, há uma incapacidade de caminhar, um impedimento ao movimento. Pode simbolizar a fragilidade da condição humana, a sensação de estar preso ou impossibilitado de avançar na vida.
### **3. O tempo e a decadência**
A casa térrea, velha, desconjuntada, pode representar a passagem do tempo, a precariedade da existência. A desordem pode ser um reflexo do estado interno do sonhador—ansiedade, desorientação, talvez uma crise existencial. Os pés cortados são uma interrupção abrupta, como se algo essencial tivesse sido perdido nesse percurso.
### **4. O sonho como metáfora da escrita e da consciência**
A imagem final é muito poderosa: após acordar, o narrador escreve o sonho *"como um cego escreveria a vida que nunca viu"*. Isso sugere que a própria escrita é um ato de tentativa e erro, uma busca por significado onde não há clareza. O sonho, então, pode ser um reflexo da luta para compreender a si mesmo e ao mundo, transformando o incompreensível (o terror, a violência) em narrativa.
### **5. A dialética entre terror e verdade**
O sonho coloca em tensão dois polos: **o terror da mutilação e a verdade que não é menos medonha**. A pergunta final sugere que esses extremos não são opostos absolutos, mas partes de um mesmo processo. Assim como na dialética hegeliana, não há uma resposta simples—apenas o avanço contínuo da consciência tentando sintetizar essas forças contraditórias.
### **Conclusão**
Esse sonho pode simbolizar **a perda e o sacrifício, a crise do tempo e da identidade, e a luta para transformar o caos em sentido**. No fundo, ele não dá respostas, mas gera mais questões—como uma conversa permanente entre a sublimação do terror e a verdade inevitável da vida.
Parece-lhe que alguma dessas interpretações ressoa consigo? Ou tem alguma outra pista sobre o significado do sonho?
Terrorifico sueño, pero si esos pies tenían los estigmas de la cruz allgun camino querrian mostrarte en el sueño
Me ha gustado leerte
Un abrazo
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