12/01/2025

Diário

1. É frequente escrever aqui sentado o poema de sábado de manhã. Talvez o corpo se lembre dos anteriores e a vontade de escrevê-lo cresça, por isso mesmo.

2. Dizem que "a fome é o melhor tempero". Aplica-se neste caso o aforismo.
Esta prisão auto-imposta faz crescer o apetite pelas possibilidades que dia após dia me desaparecem da frente e me aparecem pelas costas.

3. Esta sala é um abrigo confortável, sensação convencional de uma classe média em extinção, confinada pelo terceiro mundo que se espalhou à sua volta com o sorriso benévolo das crianças e o caminhar cansado e silencioso dos emigrantes. 

4. A História não pára. Tem sempre novos capítulos como uma série de streaming com temporadas infinitas. Mas como é o infinito possível? A própria pergunta parece uma contradição. É obvio que nada é privado de fim. No entanto, aqui sentado, sem conseguir lembrar-me como esta sala era antes, parece que o tempo parou, tornando a realidade estática e estes breves momentos, eternos.

5. Já houve gente de letras distinta que se encerrou numa torre para escrever até ao fim da vida: Montaigne, Höderlin. Nesta solidão contingente, mas ainda assim salubre, posso por momentos comungar com eles a mesma disposição existencial. Agarrar a caneta e o caderno e partir em viagem para as minhas memórias tão possíveis como enganosas, para as  especulações que vou montando com as peças de Lego que a vida me deu em cada aniversário. 

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