06/06/2022

O profeta impossível

 Vais até à margem que é o centro

para que as tuas mãos toquem coisas intocáveis.

Tentas convencer-te de que regressas com elas.

Se elas vêm ou não, nunca sabes.

Há realmente indícios de uma presença estrangeira

em alguns gestos que fazes sem querer,

em palavras que te escapam

como os pardais que guardamos crédulos em gaiolas.

Se, porém, quando voltas ao deserto

tudo está por lá outra vez,

é certo que nunca levaste nada para casa.

E se não trazes contigo as profecias,

então para que te servem os jejuns de poeira e gafanhotos?

Ou mesmo as sandálias, senão como lugar-comum

de uma adiada humildade? 

Apenas quando olhas o bando de estorninhos 

negros e empoleirados como uma orquestra,

compreendes que a música dos pássaros

não pode ser tocada nos coretos da cidade.



2 comentários:

Anónimo disse...

Um processo de terra queimada.. pintado com as cores do arco-íris, sem estas ficaria um imenso deserto...
Surrealista interpretação objectiva..
A mensagem é forte.. só quem respeita, admira, luta pela sua protecção sente cada palavra, como se estivesse a ser comido por um "bando" de gafanhotos...

solfirmino disse...

Como sempre, maravilhoso, poeta. Estás no caminho certo, mas não sabia que ias tão longe. Um abraço