22/02/2022

Decrescens vita

Sempre que me aflora o adverbio "talvez", há de certeza um esquecimento líquido correndo, espraiando-se pela vizinhança de mim mesmo. 


Enfrento os limites quando posso apenas pensar nas marinhas fortes de Esposende. Estático,  trago comigo a palavra, ideal tão longínquo, quanto vertical, tão próximo do sol como da profunda infância. 


O dia abre-se novo, mas previsível. As mulheres inauguram-no, parideiras agora sem dor, lavando as cores serenas num rio que passava por aqui e — mesmo que os pássaros ainda nele falem — jamais voltará à companhia destemida das árvores que estas ervas veneram sem saberem porquê - a habitual ausência de razão para qualquer veneração, diria.


Levanto os olhos e reparo que os outros não escrevem poesia por agora. Talvez tenham escrito em casa ou a guardem para as férias grandes, ou tão-só não tenham lido Ruy Belo, como eu ontem à noite.


O dia decresce desde que nasce. E nós, rendidos pela nascença, aceitamos este crescimento da morte, banalmente, como a um chamamento de pardais, ou  à forma arredondada das laranjas.


Chamo tédio adocicado a este lapso que interrompe as sonâmbulas viagens que faço para um destino comum e vulgar de pedras em queda até ao entendimento do poço. E sem caminho algum para regressar, caio.




1 comentário:

Luís Palma Gomes disse...

Olá, luis; Obrigada. Qual bardo gaules qual quê. Gostei muito, do inicio ao fim, do poeta fazendo se, depois devler beli, das parideiras mulheres sem dor, do dia esgotando se como uma pequenina morte em pequenas doses. Obrigada: foi mesmo uma bela pausa entre trabalho. Um abraço