13/08/2020

Carro da Palha segundo Hyronimos Bosch

Porque corres agora berrante
em redor dessa carroça de palha em chamas?

Mil e tal voltas
em redor da merda de uns espelhos
e de algumas outras gangrenas
se finalmente te escolhem,
para uma infinita podridão de pomos
habituados ainda ao consolo dos ramos.

Nessa derradeira estação das uvas
será outono e entre os seus rostos
reconhecerás em ti
a solidão dos mostos, um verdilhão
enviscado à hibernação das árvores
e outros expedientes informais até então
esquecidos.

Alguém contemplando-te
do cimo de um vertiginoso andaime
ver-te-à  naufrago.

Lançarás as tuas mãos  suplicando as dele
mesmo sabendo que agarrarás as tuas apenas.

Terão ambas o estigma de um prego
ansioso de cruz.

Tu mesmo serás um cristo possante
crucificado afinal
sem o brilho do mártir verdadeiro.

Mais tarde ou mais cedo
a  maré descerá sob os teus pés
e  por essa imensa praia
renascerão violetas e outras cores ligeiras.

Tudo isto por detrás dos teus olhos de Cristo repetido.

Diante de ti
ainda e sempre
teus filhos ardendo
nas línguas de uma palha pungente.

     
         Viagem de comboio "Castelo Branco-Lisboa" em 1999

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