12/06/2020

"Caminhar oblíquo" de Duarte Belo

Porque espero voltar a este livro, "Caminhar oblíquo" de Duarte Belo, de uma forma mais analítica e profunda, deixo aqui o primeiro trecho do livro dedicado à "ROUPA" que o autor-caminhante levou na sua travessia de Portugal. Este texto resume para mim a índole de Duarte Belo - a sua ligação ás coisas simples e essenciais, a sua ética, a sua forma de habitar. Aproveitem:

"ROUPA - Tenho algumas peças de roupa, sobretudo camisolas de manga curta que uso recorrentemente há mais de 20 anos. São peças puídas pelo tempo, com muitas marcas do quotidiano exterior. Foram muitas paisagens percorridas em serranias, vales, ou junto à orla costeira, muitas vezes num esforço considerável. As manchas ou "desenhos" impressos pelo uso são como um mapa dessas  viagens, uma interpretação oblíqua dos lugares visitados, das noites passadas ao relento dos campos. É um tecido construído por uma existência, reflexo do tempo que passa, reprodução, de alguma forma, de um corpo. Roupa velha, sinal de pobreza, a procura de uma existência mínima, determinação, perseverança, continuidade, resistências múltiplas. Também a fuga a determinados códigos sociais na procura da solidão para ir ao encontro de "toda a terra", dos lugares que falam, de uma natureza austera, avassaladora, fascinante, complexa. Procurar linhas de perplexidade. Dialogar com o medo. Vestir o despojamento"

Excerto de "Caminhar oblíquo" de Duarte Belo
Edição: Museu da Paisagem, Lisboa, 2020


2 comentários:

CÉU disse...

E por aqui está sem receber comentários, nem fazê-los. Sente-se bem assim, com certeza. Há pessoas que têm blogues só para porem o que lhes canta e desencanta a alma. Será o caso? Eu não imagino o meu blogue sem comentários. Estive umas três semanas afastada da blogosfera e senti imensas saudades das "coisas", que as pessoas dizem. Muitos comentários são feitos à pressa, só para retribuição, eu sei, mas mesmo assim, gosto de comentários, porque se vê que passa gente por lá.

Eu faço comentários, mais ou menos longos, porque preciso de "descascar" o texto e saboreá-lo.

Não conheço este autor, nem o livro aqui citado, mas gostei muito do excerto que aqui nos trouxe. As camisolas de manga curta guardam tantos segredos! Fazem todas as estações e nem um pio-risos. Dão liberdade de pensamentos e de movimentos.

Um abraço, Luís e boa semana.

Luís Palma Gomes disse...

Obrigado, Céu. Como nunca tive comentários, não noto a falta deles. Mas que sabem bem é um facto. Por isso, muito obrigado pelo seu cuidado.

Obrigado, Céu. E boa semana.