05/05/2020

Gostas do silêncio ou da poesia?

"Words are trivial
 Pleasures remain
 So does the pain
 Words are meaningless
 And forgettable"

(Depeche Mode em "Enjoy the Silence")

O primeiro estado do amor, a paixão, produz naquele que ama uma representação platónica do ser amado. Entre o signo (significante) e o símbolo (significado) ocorre uma projeção do primeiro para o segundo. A incerteza do retorno desta projeção - ou seja, o que acontece ao ser amado quando toma conhecimento do estado de consciência daquele que ama - é de uma grandeza proporcional ao grau da paixão. Os grandes amantes - porventura aqueles que melhor registaram as impressões, os sofrimentos ou entendimentos que derivam deste sentimento - fazem perdurar o estado amoroso num espaço físico que não se confina ao objecto amado e num espaço temporal que extravasa a duração da relação uni ou bilateral.

"e sinto tanto bem só na memória
  de vos ver, linda Dama, vencedora,
  que quero eu mais que ser vossa a vitória?

 Se tanto vossa vista mais namora
 quanto eu sou menos para merecer-vos,
 que quero eu mais que ter-vos por senhora?" 

(Luís Vaz de Camões em "Aquele mover de olhos excelentes")



Mais do que o conhecimento  científico sobre esta matéria, o  qual confesso nunca ter lido, foram os poetas que sublimaram o amor platónico, o amar a coisa por si própria independentemente de serem ou não correspondidos, de ser ou não o amor frutífero.

"Mas sabia e sei que um dia não virás
 que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
 ou até se exististe ou se eu mesmo existi
 pois na dúvida tenho a única certeza
 Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?"

      (Ruy Belo em "Muriel")
.

Nos antípodas desta lógica amorosa está a necessidade de materialização, quando o acontecimento ganha relevo ante sentimento. Analisando estes dois pólos que designam o  amor como um ato ou uma vontade, fica-se na dúvida qual deles será o mais humano, o mais genuíno, o menos onanista ? Numa primeira abordagem, o que se materializa oferece prazer, conforto, afecto, supostamente em ambos os sentidos. Mas pode também este ser egoísta, e na medida em que  se concretiza e edifica,  erradicar e destruir  outros laços estabelecidos anteriormente pelos amantes na complexidade afetiva e social em que se movimentam. A literatura nascerá aqui como uma terceira via, um espaço alternativo onde a paixão não passando de um ensejo ou idealização, acaba por se afirmar definitivamente sem se concretizar. Assim este entendimento e sofrimento concorrem para um lirismo, tão vulgarmente denominado de delírio. Se valerá ou não a pena, apenas o poeta o saberá.

"A causa, enfi, m'esforça o sofrimento,
 porque, apesar do mal, que me resiste,
 de todos os trabalhos me contento;
 que a razão faz a pena alegre ou triste."

(Luís Vaz de Camões em "Aquele mover de olhos excelentes")


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