31/12/2019

Agitação

Era um homem humilde submetido pela lembrança da fulminante mercê do destino. Não era bem um homem, era uma árvore contemplativa. Os pássaros e as cigarras confiavam nela há muito tempo.

Tinha a imobilidade da paciência, do guerreiro repousando entre batalhas, do cavalo que pasta e corre depois para ganhar algum avanço ao tempo.

Certo dia uma gaivota cruzou-lhe o olhar e ele quis voar também.
E tudo tremeu numa ansiedade inaudita expandida em ondas pelo universo adentro.
E a Lua já não era a mesma. E a árvore deixou cair alguns ramos. E as formigas pararam e soergueram as cabecinhas reluzentes para ver o homem que não tinha peso.

Quando o homem não voou, afinal, o mundo já não era igual e o mistério adensou-se na mente dos sábios, na alma dos poetas, na melodia das aves e todos os cantadores.

Por isso o homem lembrou-se do destino e caminhou sem fome, sem ossos, outra vez humilde e devoto aos seus passos lentos e naturais, tentando não levantar demasiada poeira do velho caminho. Por que essa sim, insignificante e inorgânica, voava, voava em bando e com destino incerto como ele outrora desejara.



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