04/08/2018

A subida às árvores

Acabei de ler "O Barão Trepador" de Italo Calvino. Tinha-o na prateleira há anos e por acaso regressou-me às mãos. Calvino relata a vida de um rapaz que se revolta contra o facto de o pai, Barão de Rondó, o obrigar a comer caracóis. Na verdade, os caracóis são apenas um motivo caricato, para o choque histórico que já se vislumbra: as revoluções liberais, o republicanismo francês, a revolução francesa e os seus ideais e por fim Napoleão. O romance fantástico decorre essencialmente na Itália do século XVIII - dominada pelos Habsburgos da Áustria. O jovem barão representa um novo sentimento: aquele que está mais perto do natural e por isso a sua revolta expressa-se em subir às árvores e passar a viver por lá sem descer nunca ao chão - prodígio da imaginação de Calvino e de uma Europa  de bosques contíguos de árvores ainda e apenas europeias. Em cima das árvores, vive romances, cultiva o espírito motivado pela onda de curiosidade trazida pelos Enciclopedistas, dá corpo e voz aos movimentos de emancipação dos povos e acaba na desilusão de Napoleão. Como é habitual a revolução não cumpre inteiramente as suas premissas, mas produz mudanças irreversíveis na política europeia mesmo sem cumprir a "liberté, equalité et la fraternité". Cosimo, assim se chama o barão romântico, acredita radicalmente nesses ideais e expressa-a de forma desabrida.

Nos momentos de transição, os homens ficam desorientados, não sabem para onde se dirigir, nem que conselhos dar aos filhos. O futuro está enublado e ninguém o consegue cingir. A decisão de Cosimo é uma decisão de ruptura, nunca entendida pelo pai, mas respeitada.
As civilizações acabam muito antes de desaparecerem. Talvez a nossa esteja a desvanecer para que outra possa enquadrar a Europa. Acredito que sim. E espero que como Cósimo possamos viver se não exclusivamente, pelo menos mais perto das árvores.

Há mais de 10 anos chamei a este diário "Árvore com voz". A voz era provavelmente de Cósimo, o Barão Trepador.

1 comentário:

Paris Toujours disse...

muito obrigada pela partilha.
muito interessante esta obra.