17/11/2017

Se for possível

Não quero me faças ganhar, quero que me ensines o que fazer com a derrota
Não quero que me faças viver eternamente, quero que me ajudes a morrer com dignidade
Não quero que mantenhas saudável, quero que me ajudes a aceitar a doença e a dor
Não quero que me faças rico, quero que me conduzas à casa onde preciso de pouco para estar em paz
Não quero que me faças famoso, quero que me ajudes a dissolver nos outros como um peixe solúvel
Não quero JÁ! Quero que seja o teu tempo a decidir para quando e quanto e onde e porquê
Não quero que me respondas, quero apenas sentir-te chegar nos anjos com asas escondidas e olhos benevolentes que me envias
Não quero ver o teu rosto, não
Não estou preparado para tal momento
Logo me ardiam os olhos ou cresceria em mim uma soberba, primeiro, prateada
E depois demasiado pesada para carregar aos ombros

Se for possível, deixa-me sofrer por uma crença
Lamber o chão com orgulho
Mendigar abraços e beijos entre os mendigos
Viver nesta intermitente busca de palavras para que um dia quiçá me possas ouvir
Através daqueles com quem tive a graça de falar
É isso que espero contra toda a esperança
E esperar contra a esperança, é que é difícil, não é?
Então, perdoa-me a ambição, mas é isso que eu quero

Detalhe do "Paraiso" extraído do  tríptico O Jardim das Delícias Terrenas (c. 1503 - 1510), de Hieronymus Bosch



1 comentário:

Paris Toujours disse...

ontem li este teu post 2 vezes, e hoje quis ler novamente.
será possível? certamente será.
E sim, são pedidos ambiciosos.