13/03/2015

O telhado

O menino gostava de subir das águas furtadas da casa da avó até ao telhado. Sentia-se num ermitério, num lugar de aventura e reflexão. Ensaiava as primeiras fugas a caminho do etér – numa espécie de passagem entre a terra e o céu, como se fosse um anjo. Nesse tempo, a vida era infinita e o mundo também. E havia quem seguramente tomava conta de dele. Afinal as suas asas estavam dentro dele, na sua imaginação, na possibilidade de recriar tudo o que o envolvia. Os dias eram grandes, as noites acolhedoras dentro dos lençóis, onde acreditava que dormia no fojo dos lobos. Depois havia a escola, as regras, aqueles exercícios de aritmética que o aborreciam de morte e que lhe tiravam tempo para desenhar. Mais tarde, percebeu que também a matemática era um mundo de utopia e sem o comércio dos afectos e das hierarquias que lhe tolhiam os dias, um após a um.

Naquela manhã, estava de novo numas águas furtadas, fumando um cigarro. Ao ver o telhado, sentiu vontade de subir para cima dele. Mas era tarde demais, estava já demasiado comprometido com o mundo das máscaras. E só por isso escreveu esta pequena história.




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