Abre-se a cidade — perdão, a janela —
e as vozes entram como se atores desastrados
falassem alto nos camarins.
É quase primavera — perdão, é primavera.
Aqueles primeiros dias de uma estação
em que não sabemos ainda
o que havemos de vestir.
A cidade não para. Por isso é cidade.
Se parasse seria outra coisa.
E como eu desejaria que ela o fosse — ou talvez não.
Sei apenas que as coisas deviam ser outra coisa,
mas não sei ao certo como elas deviam ser.
Estou confuso. Estamos todos.
Por detrás da manhã, a tarde e depois a noite.
Sempre a mesma sensação do tempo sem qualquer aceleração.
Apenas aquela impressão confortável
de quando se vê os carros e as casas;
os rios e os montes a 50 mil pés de altitude,
enquanto comemos a sandes e o chá
que o comissário de bordo nos entregou.
É isso, a vida?
Uma gaivota emite os mesmos sons
que emitiria num porto de pesca.
Anda, contudo por aqui ao lixo.
Nem sei como adormeci em Lisboa
e acordei em Karachi, no Paquistão.