Devido aos quadros do "Desnível Bar 2" serem escritos por três gerações de autores: 1ª - Alice Lança e Borges Lopes; 2ª Domingos Galamba e Luís Palma Gomes; 3ª Beatriz Cazenave e Pedro de Castro pode mapear-se no espetáculo a evolução da pós-modernidade segunda metade do século XX até agora, onde o consumismo se tornou o sentido da vida; o individualismo causou alienação; a vida perspetivou-se em curtos espaços de tempo, gerando a precariedade social; a espiritualidade desejou-se leve, digestiva e cómoda; a prioridade do reconhecimento do outro sobrepôs-se à realização pessoal anónima; algumas personagens ambiciosas procuraram uma história aparente e glamourosa; um dilema entre a função e a fruição interpelou-nos; as questões de género e de transgénero perspetivaram-se sobre um novo prisma moral e ético; e um desejo de segurança conduziu ao medo constante, neurótico.
Todos estes aspetos se concentram-se em quadros específicos ou se dispersam pelos 14 que compõem o espetáculo.
Podem julgar a intenção presunçosa ou demasiado ambiciosa. E que seja. É uma proposta de interpretação de um espetáculo escrito, dirigido e representado por aqueles que convivem ou conviveram com estes fenómenos nas suas vidas. É a vox populi, tal e qual, sem edição, nem filtros.
O "Desnível Bar 2" tem um espaço cénico absurdo, onde o caos se sobrepõe à ordem. Lembra “A sociedade líquida” de Zygmunt Bauman, onde a forma é inconstante, difícil de definir ou circunscrever, o futuro torna-se imprevisível e instável, dado que as moléculas de água não configuram uma estrutura sólida.
Não será nada de novo insistir que o mundo — para efeito, um bar — não foi feito à medida dos humanos e que nos cabe o ónus da adaptação. Diante desta realidade, o "Desnível Bar 2" convida a um plano de contingência: lançar um sorriso cúmplice, enquanto nos olhamos a nós próprios do outro lado da quarta parede. Eis a análise pessoal à 43ª produção do TPN, encenada por Porfírio Lopes e representada por nobres atores que merecem um forte e veemente aplauso: Rui Ferreira, Carla Abreu Ferreira, Matilde Cañamero, José "Vespaman", Joao Cazenave , Sandra Santos, Tânia Catarino, Gonçalo Marques, Ana Simões, António Dias, Luís Tenente, Teresa Tenente, Aldina Nunes.
NOTA SOLTA: O teatro não pode ser mais uma forma de alienação. Aliás a sua subalternização ou auto desfoque contribui para o empobrecimento da capacidade crítica da comunidade.
Cartaz e programa: Marina Palácio
Cenografia: Paulo Oliveira
Música: Gonçalo Marques