"Words are trivial
Pleasures remain
So does the pain
Words are meaningless
And forgettable"
(Depeche Mode em "Enjoy the Silence")
O primeiro estado do amor, a paixão, produz naquele que ama uma representação platónica do ser amado. Entre o signo (significante) e o símbolo (significado) ocorre uma projeção do primeiro para o segundo. A incerteza do retorno desta projeção - ou seja, o que acontece ao ser amado quando toma conhecimento do estado de consciência daquele que ama - é de uma grandeza proporcional ao grau da paixão. Os grandes amantes - porventura aqueles que melhor registaram as impressões, os sofrimentos ou entendimentos que derivam deste sentimento - fazem perdurar o estado amoroso num espaço físico que não se confina ao objecto amado e num espaço temporal que extravasa a duração da relação uni ou bilateral.
"e sinto tanto bem só na memória
de vos ver, linda Dama, vencedora,
que quero eu mais que ser vossa a vitória?
Se tanto vossa vista mais namora
quanto eu sou menos para merecer-vos,
que quero eu mais que ter-vos por senhora?"
(Luís Vaz de Camões em "Aquele mover de olhos excelentes")
Mais do que o conhecimento científico sobre esta matéria, o qual confesso nunca ter lido, foram os poetas que sublimaram o amor platónico, o amar a coisa por si própria independentemente de serem ou não correspondidos, de ser ou não o amor frutífero.
"Mas sabia e sei que um dia não virás
que até duvidarei se tu estiveste onde estiveste
ou até se exististe ou se eu mesmo existi
pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?"
(Ruy Belo em "Muriel")
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Nos antípodas desta lógica amorosa está a necessidade de materialização, quando o acontecimento ganha relevo ante sentimento. Analisando estes dois pólos que designam o amor como um ato ou uma vontade, fica-se na dúvida qual deles será o mais humano, o mais genuíno, o menos onanista ? Numa primeira abordagem, o que se materializa oferece prazer, conforto, afecto, supostamente em ambos os sentidos. Mas pode também este ser egoísta, e na medida em que se concretiza e edifica, erradicar e destruir outros laços estabelecidos anteriormente pelos amantes na complexidade afetiva e social em que se movimentam. A literatura nascerá aqui como uma terceira via, um espaço alternativo onde a paixão não passando de um ensejo ou idealização, acaba por se afirmar definitivamente sem se concretizar. Assim este entendimento e sofrimento concorrem para um lirismo, tão vulgarmente denominado de delírio. Se valerá ou não a pena, apenas o poeta o saberá.
"A causa, enfi, m'esforça o sofrimento,
porque, apesar do mal, que me resiste,
de todos os trabalhos me contento;
que a razão faz a pena alegre ou triste."
(Luís Vaz de Camões em "Aquele mover de olhos excelentes")