31/01/2014
Abutres ou gaivotas ?
Do terraço, vêem-se algumas colinas da cidade. Sobre a mais alta, ergue-se Palácio da Justiça. Sobre ela pairavam aves grandes e estranhas, mas indistintas. Na minha imaginação eram abutres que aguardavam os restos mortais dos condenados. Talvez não. Talvez fossem apenas gaivotas, aguardando ao abrigo do guardião institucional que o mau tempo passe, para voltarem ao lindo Tejo que as espera ansioso.
30/01/2014
Hércules e os mortais
"Os doze trabalhos de Hércules eram ninharias comparados com os que vizinhos meus têm empreendido, porque aqueles eram apenas doze e tiveram um fim, ao passo que eu nunca pude ver esses homens matarem ou capturarem monstro algum, nem sequer acabarem qualquer trabalho. Além disso não têm um amigo como Iolas para queimar com ferro em brasa a raiz da cabeça da Hydra; pelo contrário, mal uma cabeça é esmagada, duas brotam." - extraído de "Walden ou a vida nos bosques"
Henry David Thoreau - Sec. XIX
Henry David Thoreau - Sec. XIX
Alto relevo romano (séc. III AD), representando os 12 trabalhos de Hércules |
21/01/2014
profecia calada
acordo
apenas para dizer
a palavra que não pode ser escutada
a palavra que não pode ser escutada
a
palavra que sai da boca dos anjos de Rilke
e que tudo estreme-se e tudo
queima
tal a sua pureza e verdade
por isso e só por isso
continuo o silêncio que vem das montanhas longínquas
continuo o silêncio que vem das montanhas longínquas
ampliando-o como um ruído
cego e sem boca
- incapaz apenas
de calar a canção do pássaro
que, pousado na árvore, me canta e escuta
tão humanamente
de calar a canção do pássaro
que, pousado na árvore, me canta e escuta
tão humanamente
20/01/2014
Henry David Thoreau, outra vez
"Sem correr riscos, podemos ser mais confiantes, abrindo mão de tanta atenção para connosco e aplicando-a alhures. A natureza está bem ajustada, quer à nossa fraqueza, quer à nossa força. A ansiedade e tensão de alguns é quase uma incurável doença" - H.D.Thoreau em "Walden ou a vida nos bosques" - séc.XIX
A casa que Thoreau construiu para viver dois anos e dois meses no bosque |
19/01/2014
Está aí alguém ?
"Hei! Hei! Está aí alguém ?" - Temo que não e tenho esperança que sim.
Escrevo sempre como um náufrago que, colocando a mensagem dentro da última garrafa, espera que uma boa vontade venha em meu socorro do lado infinito do mar.
Escrevo sempre como um náufrago que, colocando a mensagem dentro da última garrafa, espera que uma boa vontade venha em meu socorro do lado infinito do mar.
16/01/2014
Thoreau eterno.
"Os homens trabalham à sombra de um erro, lançando ao solo para adubo o que têm de melhor. Por sina ilusória, vulgarmente chamada necessidade, desgastam-se a amontoar tesouros que a traça ou a ferrugem estragarão e que os ladrões hão-de roubar. É uma vida de imbecis, como perceberão ao fim dela, se não antes." extraído do livro "Walden ou a vida nos bosques" de Henry David Thoreau - séc. XIX
13/01/2014
De que são feitos os sonhos ?
De imagens como esta, diria eu.
Foto de Tim Walker |
Tim Walker é um fotógrafo de moda britânico que trabalha com o lúdico e o surreal. Fascinou o mundo com seus editoriais na Vogue, Vanity Fair, W e The New Yorker. Podem ver mais trabalhos dele neste link
10/01/2014
A marcha estática
Talvez devesse partir, talvez devesse chegar, talvez devesse lutar. Mas troquei as asas por umas sandálias rotas e comprei a espada num reino de plástico.
Agora, estático, chamo a tudo melancolia, como um pincel que repete infinitamente as mesmas cores, os traços mecânicos de um quadro famoso, tão famoso que todos o olham, mas já ninguém vê.
Agora, estático, chamo a tudo melancolia, como um pincel que repete infinitamente as mesmas cores, os traços mecânicos de um quadro famoso, tão famoso que todos o olham, mas já ninguém vê.
09/01/2014
Desenhar
O prazer de desenhar advém sobretudo do exercício de olhar para fora, olhar cada detalhe da outra coisa que está para além da psique ou do ego. Desenhar é por isso uma prática de altruísmo.
Podemos ainda assim desenhar as nossas paisagens interiores, as composições do nosso imaginário. É um exercício diferente, mas inteiramente humano e confortante. Neste caso, materializamos as representações interiores, num exercício de introspeção.
Chapim de Crista - Pinhal da Aroeira | 2009 |
Podemos ainda assim desenhar as nossas paisagens interiores, as composições do nosso imaginário. É um exercício diferente, mas inteiramente humano e confortante. Neste caso, materializamos as representações interiores, num exercício de introspeção.
Ilustração do poema "Ulisses" da Mensagem de F.Pessoa |
07/01/2014
verde, ainda não
Chove cinza
dentro dos corações.
Entre esse pó informe
os teus olhos guiam-me,
como faróis-esmeraldas,
pelos regatos ansiosos
da próxima primavera.
da próxima primavera.
( Quando ela chegar,
dir-te-ei uma boca cheia
de rosmaninhos
pelas quelhas acima.)
05/01/2014
Brincar com os clássicos
O meu amigo e colega (informático) Ricardo Simões continua a brincar aos clássicos. Primeiro foi o Wagner e agora o Dali. Obviamente ele não é Dali. É de Setúbal. Mas tem também a sua dose de criatividade e humor.
Este sublime (como hei-de chamar-lhe) trocadilho com o pintor, o seu bigode e a gravidade faz me lembrar um verso do José Gomes Ferreira (o poeta, não o jornalista da SIC):"Os pássaros quando morrem caem no céu." Por que mudando um elemento ( posição da foto ou "do" pelo "no"), tudo continua a fazer sentido - um sentido mais reforçado.
Acho que a foto do Ricardo Simões é uma espécie de contra-ataque, no confronto com o Salvador Dali, que deu golo.
Este sublime (como hei-de chamar-lhe) trocadilho com o pintor, o seu bigode e a gravidade faz me lembrar um verso do José Gomes Ferreira (o poeta, não o jornalista da SIC):"Os pássaros quando morrem caem no céu." Por que mudando um elemento ( posição da foto ou "do" pelo "no"), tudo continua a fazer sentido - um sentido mais reforçado.
Acho que a foto do Ricardo Simões é uma espécie de contra-ataque, no confronto com o Salvador Dali, que deu golo.
03/01/2014
Feliz aniversário, Sir JRR Tolkien
Se fosse vivo (para muitos, há-de ser eterno), JRR Tolkien, nascido em 3 de janeiro de 1892, na África do Sul, faria hoje anos. Foi professor, escritor e, soube-o hoje também ilustrador. Só posso recomendar a leitura da sua obra, a qual é única e encantadora, como é aliás toda a mitologia celta, na qual se terá inspirado. Tolkien não é um simples escritor de aventuras. É um académico brilhante (Filólogo) que, há semelhança do seu amigo e matemático C.S. Lewis, envereda pela literatura fantástica, de uma forma fundamentada ao nível da simbologia e da própria linguagem. Entre várias línguas, Tolkien inventou duas línguas élficas usadas em algumas passagens nos seus livros.
Ilustrações de JRR Tolkien |
01/01/2014
O velho dia de ano novo
A uma ressaca de meia-idade
A coleção dos cromos por acabar ainda.
A chuva morrente que teima em ofuscar
o que já não brilha mais.
Deixo o odor da noitada
a fermentar sob a pele.
A noite foi longa, a noite foi curta.
Dança comigo, miúda.
De dois em dois minutos
morre uma estrela
e em redor dela
fenecem no escuro
um cesto florido de planetas estúpidos.
Vamos dançar, miúda,
como se houvesse amanhã.
A coleção dos cromos por acabar ainda.
A chuva morrente que teima em ofuscar
o que já não brilha mais.
Deixo o odor da noitada
a fermentar sob a pele.
A noite foi longa, a noite foi curta.
Dança comigo, miúda.
De dois em dois minutos
morre uma estrela
e em redor dela
fenecem no escuro
um cesto florido de planetas estúpidos.
Vamos dançar, miúda,
como se houvesse amanhã.
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