17/09/2021

Histórias da Vida IV - Eusébio e Amália

“Somos os mortos”, escreveu o escritor argentino Jorge Luís Borges, causando-nos uma certa estranheza o podermos ser uma coisa que nem conhecemos bem. 

Falo-vos de Amália e Eusébio, pelos quais nunca me senti representado geracionalmente, confesso. 

Convivi  porém durante décadas da minha existência com a geração que de algum modo os idolatrou. E quando os seus ídolos nos deixaram, senti que também esses entes queridos haviam partido mais uma vez.  

No decorrer dos funerais ou cerimónias fúnebres destas duas figuras maiores do imaginário popular, pressenti a ilusão de um Portugal que partia para que outro chegasse. Foi porém uma sensação momentânea: na realidade, nada fora substituído absolutamente, mas sim misturado, dando lugar a uma nova cultura feita de passado e presente.

Foi pungente ver muitas mulheres a cantar o “Fado Amália” à beira da estrada, enquanto o caixão da fadista percorria as ruas a caminho do Talhão dos Artistas no Alto São João.

Encontrei um vazio imenso e uma unanimidade singular para os meios futebolísticos em redor da câmara ardente de Eusébio junto ao Estádio da Luz.

Ambos eram mais do que fado e futebol: o quê não sei, nem teria a presunção de arriscar nomear o que eles efetivamente representaram. 

Em vida, terão sido instrumentalizados politicamente, como outros agora serão, digo eu. A história repete-se. Nas personagens de Shakespeare cabem todos os nossos familiares e amigos, e nós também obviamente, dando a perceção de que nada do que é profundamente humano muda com o tempo.

Quem escuta a “Estranha Forma de Vida” ou percorre com Eusébio aquele slalom entre os defesas coreanos no Mundial de 66, comovendo-se ou emocionando-se  ainda, guardará, como eu, laços afetivos fortes e constantes aos que os aplaudiram in loco.


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