23/08/2016
O destino
19/08/2016
Homem duplicado
como se o gato da fenomenologia,
olhando pela janela,
não entendesse já, que em cada coisa repousa
a imanência de um olhar pessoal
como se o transeunte não conhecesse apenas
a transcendência escassa
que vai do seu nariz ao virar da esquina
como se cada letra não se entregasse a outra letra
por mero acaso histórico
como se a rapariga que fecha os olhos
não fosse a única a reconhecer o caminho
no mais brilhante dia de verão
O homem duplicado foi aprovado em sessão autárquica
E deus riu-se
05/08/2016
O meu avô
Que deus era o teu, Avô ? O da terra vermelha transmutada em tons de verde e castanho nas veias vitreas dos sobreiros? Como era simples o teu deus: sem palavras, nem orações. Ninguém te ensinou deus e tu aprendeste-o, nos corpos dos homens que saiam das searas para a taberna e no passo miúdo das raparigas ao domingo a caminho da cataquese. Tu conhecias deus sem o saberes, eis o mistério. Sentias-o na pele, na cama, ao fim do dia quando cansado voltavas silencioso para casa. Cada cumprimento teu era uma pedra escrita com os mandamentos. E quanto aos sacramentos, limitavas a copiar o que vias. Afinal foi assim que aprendeste a semear o grão e o feijão.
Mais tarde, ninguém te entendeu, quando te reformaste e decidiste viver numa indigência de monge. O Nuno Álvares Pereira fez o mesmo. Mas esse como era rico e poderoso, todos concordaram que ele só podia ser santo. Tu não podias. Eras só um forreta. Ninguém entendeu que querias viver naquela paz que só existe na pobreza, onde não há lugar para a propriedade, nem para o terrível medo em perdê-la.
Avô, foste santo e não o sabias. Ninguém to disse. E nenhum santo verdadeiro se acha à altura do seu título.
Eras simplesmente o avô e a prova cabal dessa natureza é que já esqueci o teu nome.