30/04/2015

Amanhã

Amanhã acordarei no céu, sobre uma cama simples, ornada com andorinhas e pardais.

Amanhã o dia terá nuvens a correrem para o infinito e mil e muitas horas trazidas até à porta por ovelhas azuis.

Amanhã voarei atrás das borboletas até ao templo dos grifos e conversarei com azinheiras, granitos e raposas.

Amanhã vestir-me-ei de rosmaninho e lavanda e sairei bailando agarrado aos perfumes que me levam para Espanha.

Amanhã hablarei com cabalos e galgos e darei os bons dias a garbosos ou esfomeados ciganos.

Amanhã há esperança e burros.

Amanhã estou em Salvaterra do Extremo.


20/04/2015

abril

a peste grassa
entre os mais ínfimos
outeiros da cidade
enquanto um velho mendigo
aguarda
a chegada sempre segura
da  primavera

há um lamento tímido
nas conversas dos
agrilhoados ao porão da barca
que se afunda, onde
uma pomba sonora
prepara já o grito
de aleluia

a tudo isto assistem
poetas sentados
que entendem
mas não traduzem
para a linguagem dos vivos
as nuvens negras
que assomam por
detrás das crateras

entre a relva semicortada
onde pastam, como arlequins,
pequenos estorninhos danados,
aflora
tímida e inesperada
 a cidade do futuro

saúdem-se os antigos reis
e os burgueses (todos nós) por cumprir
o cheiro dos corpos apesar de tudo
felizes
chama-se abril

17/04/2015

"Persianas" de Miguel-Manso


Ainda cheira a tipografia. Chama-se "Persianas" e escreveu-o Miguel Manso. Ele que é uma identidade única e valorosa na nova poesia portuguesa. "Persianas" passou a fazer parte da coleção de poesia da "Tinta da China", dirigida pelo Pedro Mexia. Bem haja quem ainda aposta em editar poesia. Afinal somos ou não somos uma nação de poetas ?

15/04/2015

O prenúncio

Sereno, o ator perscruta um tempo diferente, um tempo fantástico. Ele vai partir e regressar da viagem, duas horas depois. Entretanto, escuta, escuta-se e sobem as cortinas. Os sonhos materializam-se (E às vezes a plateia dorme. Mais uma razão que é de sonho que falamos.). O ator completa o homem por debaixo da máscara e sobretudo brinca ao "faz-de-conta" imbuído na santa nostalgia da sua infância.

Foto de Duarte Belo na peça "A moura"

07/04/2015

Advento

A mão do ato fere a melancolia.
(escrever apenas a agita com suavidade)

É por amor, e não por medo,
que aceito o sofrimento.

A esperança guia-me
na penumbra do futuro.

Mas é já de preto
que preparo a morada dos vindouros.

Ensaio as últimas palavras da vida
para quando essa peça estrear
não me falte o silêncio.

Salvaterra, 5 de abril de 2015 

(Poema escrito em 15 minutos. Não há tempo para mais. Foda-se.)

02/04/2015

Renascer

Páscoa, tempo de renascer. Cumpra-se o ciclo da natureza que os homens, e bem, adoptaram como seu e lhe ofereceram um culto.


01/04/2015

Oração de um cão

Às vezes, sinto-me mais só do que nunca,
Abandonado e maltratado como um cão sem dono.
Por isso, Te peço que me faças humilde,
Que me faças aceitar tudo até ao fim.
Eu sei que tens o melhor caminho para mim.
Vou confiar em Ti como Abraão confiou.
Vou suportar tudo como Job suportou.

És o meu único Senhor
Os outros são pessoas como eu, nada mais.