22/12/2015

a festa

Pensei em desejar-vos "Feliz Natal". Aprofundei um pouco mais a frase e percebi que se tratava de um pleonasmo.

Na ilha da Madeira, chamam-lhe "A Festa". Acho que eles tem a razão. Desejo-vos todos vós uma "Festa".

Nota: E para os mais distraídos, nesta coisa da chata da História, lembro-vos que se trata da comemoração do nascimento de Jesus Cristo.



05/12/2015

Gala do Caco premiou os melhores do XVI Festival de Teatro de Esmoriz

O juri do XVI Festival de Teatro de Esmoriz, organizado pelo Grupo de Teatro Renascer, atribui os seguintes prémios, aos espetáculos participantes:

Melhor Peça - "A Moura" - Grupo "Teatro Passagem de Nível" (Amadora)
Melhor Actor - Bruno Esteves (Ajidanha - Associação de Juventude de Idanha-a-Nova)
Melhor Actriz - Márcia (Grupo Cénico de Bairros - Castelo de Paiva)
Melhor Sonoplastia - "A Moura" - Grupo "Teatro Passagem de Nível" (Amadora)
Melhor Cenografia - "MacBeto" - Grupo de Teatro Contra-Senso (Lisboa)
Melhor Desenho de Luzes - "A Moura" - Grupo "Teatro Passagem de Nível" (Amadora)
Melhor Guarda-Roupa - "A Moura" - Grupo "Teatro Passagem de Nível" (Amadora)
Melhor Encenação - Porfírio Lopes (encenador da peça "A Moura" do Grupo - Teatro Passagem de Nível - Amadora)

"A Moura" conquistou  cinco dos prémios  em concurso. Parabéns a todos os que participaram nesta produção.


Porfírio Lopes - Prémio da melhor encenação


Ricardo Simões, Leonel Nogueira, Teresa Tenente e Jorge Couto (atores)

Os cinco "Cacos" atribuídos a "A Moura"


23/11/2015

a gralha e a raposa

a gralha branca esvoaça no ato clínico de nascer
entre as pernas da sua virgem mãe

traz no bico um pedaço de pão
roído por gengivas gastas e amarelecidas
pelo mesmo vento seco que contaminou as casas

astuta, a raposa pede-lhe que cante
e a gralha imita a primeira palavra
enquanto a vela derrete a noite da aldeia

o pão cai-lhe do bico
e a raposa engole-o cheio do resto da vida
 

27/10/2015

Cara e coroa

Quem afinal lhe iluminou o caminho ?

O caminho que ele ainda pisa a medo com os seus pés mudos 
e que entrevê  com dificuldade entre a poeira que esconde
o seu destino de caminhante cabisbaixo.


Foi um pássaro azul fluorescente que lhe saiu do peito 
ou  uma coruja feita apenas de vento que do pensamento lhe avoou?



24/10/2015

22/10/2015

parece infantil, dizes tu

As mãos rezam
góticas
arcos quebrados
suportando o peso
da prece
sem pressa.

Os olhos erguem-se
procuram
na copa das árvores
pássaros lunares
chamam-lhe anjos
parece que incendeiam o mal
com os seus lança-chamas estelares.


Parece infantil, dizes tu.
Mas a poesia e as crianças têm em comum 
esta simplicidade frágil

estranhamente invencível.

20/10/2015

Relativismo

Que os meios nunca justifiquem os fins, porque há valores absolutos ou de urbanidade que não devem ser violados. A vida é uma caminhada, um mistério e nunca um objetivo.

19/10/2015

Esperar

Espero contra toda a esperança.
A avenida que vejo já não existe.
Só um pássaro negro ficou
e  pia, pia, pia estridente e metálico
como se também ele soubesse.

Espero contra toda a esperança
e por mistério é isso que me anima.



Hoje não há caracóis


É sentado nas traseiras da cidade próspera
que Te escuto,
regressado à momentânea indigência dos plásticos
que esvoaçam entre árvores roídas pelo chumbo dos escapes
- aí mesmo onde os pardais ensaiam eloquentes discursos
para a próxima primavera

Sentado na pedra,
vejo correr o Outono
na direcção do sul, do sal,
da alegria fictícia que os habitantes inventam
para se esconder da invernia soletrada por poemas como este.

Passa o comboio.
Podia escrever uma ode ferroviária,
mas não tenho tempo.
Não há tempo na cidade das luzes fluorescentes,
onde as pretas limpam os restos do pó levantado
pela orgia das ilusões, pela tesão do mercado.

Os transeuntes passam olhando para dentro,
só na memória encontram o conforto
da festa de aniversário
onde à sombra de um largo sobreiro
estavam todos de novo presentes:
o pai, a mãe e as formigas
que passavam pelas ervas de uma avenida pungente.

Os  poemas têm a natureza de qualquer negócio.
Ganham, no seu fecho, o lucro que os afama.

Procuro assim as palavras convenientes (ou contingentes),
as mais encantatórias e ondulantes.

Mas a verdade, a que me obrigo, é um lugar gasto
por uma chuva miúda, persistente.

Procuro nos bolsos, apressado por um tempo burguês, as últimas palavras.
Hesito, pondero e pouco consigo dizer-te para além de
“caminha sem chapéu ou destino e deixa a barba por fazer”.

16/10/2015

Utopia e desejo

Dedicado ao meu amigo Luís do blogue http://tintanobolso.blogspot.pt/


O desejo é a coisa e a utopia, a causa. Porque  apenas esse desejo insaciado pode gerar esse lugar que não existe. Se houvesse a tal coisa desejada, desaparecia também a vontade de a obtermos. É  no desejo que nasce a utopia. Defini-la de antemão é estratégico. E depois será como  alguém que  olha sedento  para a água de uma fonte fresca e primaveril e caminha  eternamente sem a alcançar. Durante o caminho caiem uns chuviscos que logo são lambidos de forma insaciável. Não são o paraíso, mas uma lúgubre imitação. Os chuviscos são uma metáfora da existência, mas são eles que nos  permitem caminhar, caminhar sempre.

15/10/2015

Utopia

É preciso acreditar para ir mais longe. Precisamos de utopias, venham elas de onde venham: Da política, da religião ou da arte. Venham todas, mas com amor, misericórdia e piedade. Sem sonhos, não passamos de animais amedrontados e, às vezes, agressivos.

Nota: Utopia vem do latim e significa o "lugar que não existe". Ele não existe, mas dá-nos o sentido da caminhada.

13/10/2015

mistério

Se a dor é tua, também é nossa.
É deste atrevimento que nasce uma parte do mistério.

Santo Condestável


Corajoso, brandiu a espada e conquistou a terra. Agora, sentado e humilde, repousa o olhar num livro de horas, para ganhar o céu.




08/10/2015

Slava

Sabemos que estamos na presença de um grande palhaço quando, durante o seu desempenho, alternamos entre a vontade de chorar e de rir.

Slava






Algum consolo

Não chores pelo que perdeste, luta pelo que tens.

Não chores pelo que está morto, luta por aquilo que nasceu em ti. 

Não chores por quem te abandonou, luta por quem está contigo. 

Não chores por quem te odeia, luta por quem te quer.

Não chores pelo teu passado, luta pelo teu presente. 

Não chores pelo teu sofrimento, luta pela tua felicidade.

Com as coisas que vão nos acontecendo vamos aprendendo que nada é impossível de solucionar, apenas siga adiante.



Jorge Mario Bergoglio, Papa Francisco.

06/10/2015

Desfocados

Desfocados, porque partiram cheios de ilusões, ou seriam certezas absurdas ? Eles olharam-se ao espelho. Não conseguiram distinguir a coisa do seu reflexo e arriscaram. Afinal, já estavam habituados a viajar nos jogos de consola. Logo, Barcelona, Amesterdão ou Taiwan que diferença faz para quem já lutou contra exércitos fantásticos sem vidas infinitas ? Eles ficaram desfocados, mas apenas nos olhos enrugados pelos ventos salgados que sobem o Tejo. Os meus olhos, claro.

Foto de Gonçalo Fonseca

05/10/2015

A casa que honra os avós

Insondáveis pulsões, habitam a cave da casa. E só pelas estreitas janelas assomam a cor das labaredas que insistem em sobreviver na lareira antiga -  o verdadeiro coração da família. Pelas portas entra e sai o pão, o vinho e esculturas clássicas, onde ainda se notam algumas imperfeições de um cinzel cansado do fim do dia. Os jardins vestem a casa de flores e abelhas. Um gato  caminha cauteloso não vá algum ruído melindrar os anjos que por aqui persistem em cantar e tanger violas.  Por detrás das grades do jardim, a história passa e fica empedernida nas colinas da cidade. Mas a casa, não. A casa já não é história. Transcendeu-se. Os deuses  olham para ela como um lar do verbo “ser”. Depois descem até ela e deixam-se ficar suaves e inteiros como só eles sabem viver.

(Texto escrito no jardim da casa Roque Gameiro na Venteira Amadora)


Casa Roque Gameiro (Venteira - Amadora)

01/10/2015

Eixo Trafaria-Belém

    Para o Tiago e para a Beatriz




Uma sombra radiosa
guia-te sobre as águas.

Abre-as.

De calça arregaçada,
caminhas dentro do rio.
E entre as paredes liquefeitas,
tens impressões marítimas:
ruínas de barcos,
fazendo bolhinhas pueris,
ânforas romanas,
decalcando o prazer
nos lábios dos caranguejos.

O que podes afinal ali fazer,
se os teus olhos tudo criam
e a tua pele outrora partilhada com as coisas
já nada sente ou lambe ?

Resta-te avançar
nesse jeito turístico
e condenado a ver apenas
por detrás dos carreiros envidraçados
que a maré abriu,
enquanto levava as corvinas,
neste mês encantadas,
por este mar ali tão
finalmente.



30/09/2015

Semper eadem - Baudelaire




De onde vem, dizeis, esta tristeza estrangeira,
Imparável mar entrando pela rocha negra e nua
- Quando o coração  já fez a vindima inteira
Viver é um mal, um tesouro guardado na rua,

Uma dor muito simples e afinal sem segredos,
Como a vossa alegria, que nos guia tão sábios.
Pare de indagar, ó infinda buscadora de enredos,
E, apesar da sua voz  bela, feche os seus lábios.

Cale-se, incauta! Alma sempre extasiada!
Sorriso vil, insurreto! Mais do que a vida,
A morte nos seduz com a sua voz adocicada.

Deixe o meu coração se inebriar em patranhas,
Afundar-se nos seus olhos, com ‘alma perdida
E adormecer eternamente sob as suas pestanas.



«D'où vous vient, disiez-vous, cette tristesse étrange,
Montant comme la mer sur le roc noir et nu?»
— Quand notre coeur a fait une fois sa vendange
Vivre est un mal. C'est un secret de tous connu,

Une douleur très simple et non mystérieuse 
Et, comme votre joie, éclatante pour tous. 
Cessez donc de chercher, ô belle curieuse! 
Et, bien que votre voix soit douce, taisez-vous! 

Taisez-vous, ignorante! âme toujours ravie! 
Bouche au rire enfantin! Plus encor que la Vie, 
La Mort nous tient souvent par des liens subtils. 

Laissez, laissez mon coeur s'enivrer d'un mensonge, 
Plonger dans vos beaux yeux comme dans un beau songe 
Et sommeiller longtemps à l'ombre de vos cils!"


"Semper eadem" das "Fleur du Mal" de Charles Baudelaire
Tradução para português de Luís Palma Gomes




29/09/2015

Onde param os loucos ?


Dar

Hoje dei um poema que escrevi a um casal amigo. Sobretudo, porque enquanto o escrevia, percebi que aquelas palavras e conceitos tinha algo a ver com eles.  Aprendi a oferecer poemas,  quando li a biografia do poeta grego Kavafis, que o fazia regularmente. Ainda pensei: "Será pretencioso ?" Hoje quando o entreguei, senti que não é. Senti também que só podemos dar qualquer coisa de valor, se essa coisa tem valor para nós.

Post Scriptum:  Outra dica para os economistas e materialistas em geral: Só há uma coisa que  dinheiro não compra, o verdadeiro afecto. Se assim for, já viram o valor que ele tem?

28/09/2015

Humidade

Nada melhor que a humidade na parede para exprimir a marca do tempo nos seus dois significados conhecidos.


1 ato

(Neblina.)

(Os cavaleiros chegam a trote.)

Druida: "Esperai!
que o tempo dos deuses cai naturalmente 
como uma pedra
malhando a superfície do lago.

Essa pedra que lhe agita 
uma inquietação centrífuga, quase plana,
molhando amiúde 
os pés descalços das ervinhas de Chamelot"

Coro: "Molhados, os pés da erva
movem-se para a esquerda 
e, sem saberem,
mudaram já a rota do mundo."

(Os cavaleiros saiem a galope.)

(O sol some-se também 
virgem e sem dote.)






24/09/2015

A timida loucura



Foto de Duarte Belo em CidadeInfinita.Blogspot.com



É preciso encher os pulmões  de  poesia  para atravessar, incólume, os lugares da desumanidade. 

Não há vita nuova sem risco.  

Será a tímida loucura, o gene que nos distingue ?

23/09/2015

"Quartos alugados" de Alexandre Andrade


"Entra-se num livro pela literatura, normalmente é assim, mas no caso do Alexandre Andrade as coisas complicam-se bastante. Além de Proust e Beckett, somos agraciados com naturezas-mortas e retratos, Charpentier e John Coltrane, Tondela e Paris, baguetes e bolas de berlim, luvas de pelica e gatos, Godard e (sem nunca ser mencionado) o espírito arisco de Jacques Rivette. O cheiro do café com bolos quentes antecipa-se ao efeito da escrita; dir-se-ia que a vida chega em primeiro lugar, e é juvenil e doce. As histórias crescem com delicadeza, as personagens envolvem-se em peripécias afáveis e levemente misteriosas, os gatos perdem-se e encontram-se — enfim, n’ Os Quartos Alugados respira-se uma atmosfera botânica. Roubando as palavras a uma das personagens: é tudo ao mesmo tempo conceptualmente simples, fértil e profundo. "

Texto extraído do site da Editora Exclamação

Bellum sine Bello

"Bellum sine Bello" significa combater sem guerra. Conheço alguns e algumas que o fazem. E que maravilhosa, subtil e humana é a sua arte de mandar. 

Sessão especial Ruy Belo - ‘Talvez um dia eu entre no cinema.’*


22/09/2015

A amizade e as nuvens voláteis

Um blogue é também uma caixinha onde guardamos coisas importantes, rezando para que a "nuvem" não se desfaça e leve, com ela, o nosso diário de bordo. 

Quando surgem necessidades surgem negócios. Para prevenir esta excessiva volatilidade que poderá ser, diria mesmo que vai ser, o mundo digital, existem empresas de serviços que imprimem os blogs e enviam para casa a edição encadernada do mesmo. Nunca utilizei este serviço, mas encontra-se como uma tarefa a realizar no futuro.

Voltando às coisas religiosas – no sentido em que nos religam ao outro e revelam a face do espírito santo – falemos de amizade. Ela é imprescindível para nos sentirmos realizados. Sem a companhia do outro, o seu reconhecimento e apoio, a caminhada torna-se mais árdua. Entre os amigos que tenho quero hoje falar da Marcela Costa – professora, pintora, dramaturga e uma alma grande.

Conheço os seus trabalhos relativos à escrita teatral - e porque julgo que a amizade não cega completamente –  considero-os a todos de grande valor: Stormy Weather”, “Summertime”, "September Song", “Duas Horas Antes”, “Grande Circo Real” e “O Natal do Gato Amarelo”.

Como ela mora no Funchal, costumo chamar-lhe Mar-Cela. Mas na verdade não há prisões que encarcerem a amizade, porque ela é não do mundo material.


18/09/2015

As primeiras chuvas

As primeiras chuvas cantam "pim-pim" como o chapim.


Elegia de uma noite após grande derrota



   














“Ó noite onde as estrelas mentem luz
Ó noite, única coisa do tamanho do universo” 

Fernando Pessoa




A noite vai ser longa e estéril
como uma banheira cheia de óleo queimado.
Insones, a vergonha e a derrota
vão marcar-te a fronte com sonhos em brasa

             Não há nada mais triste
             que escrever poemas aos 50 anos
 

À noite tudo será esquelético,
como um bosque há pouco abandonado
por um  bando de cabras esfaimadas
que comeram sem dolo as minhas verdes esperanças.

         
           Aos 50 anos
          só devia ser permitido escrevermos salmos messiânicos,
          mesmo que as mãos tivessem de se estender
          por detrás das grades

A noite será um cubo pequeno
e lá dentro
o meu corpo engelhado
sentirá finalmente
o quanto a verdade asfixia
se é feita de barro
e nos entra pela boca a dentro,
derradeira



17/09/2015

Tarab

Tarab (verbo em árabe) significa o efeito que a música provoca em nós. Não existe correspondente na língua portuguesa.




15/09/2015

Conforto

Não digo econometria, nem financiamento estratégico, nem progresso, nem ciência, nem nada que  inquiete. 

Digo conforto - mas jamais um relaxe qualquer - um conforto espiritual, é isso.


14/09/2015

Cada homem tem um caminho

Li, num filme, esta frase: “cada homem tem um caminho para Deus”.

Às vezes ficamos muito admirados, porque a nossa consciência pede-nos algo completamente excêntrico ou fora do habitual. Como seres gregários, temos tendência a recalcar esses desejos.
Em má a hora o fazemos, porque eles são, muitas das vezes, “o nosso caminho para Deus”.

10/09/2015

Triste consolo

Triste consolo,
enxaguar as lágrimas
com lenços molhados
de cansaço e desolos

Mas o sol regressa sempre
até ver
e, como crianças,
somos felizes a crédito
(mas com juros)

09/09/2015

sabes que não minto

sabes bem que não minto

mesmo na profunda masmorra,
agarrado a grilhetas bem temperadas,
sabes que não minto,

mesmo que a verdade 
se enrede na loucura
própria de quem se julga vivo
sabes que não minto

apenas dedilho  as poucas palavras 
que fogem pela fresta dos olhos
encaminhando-as para o poço da morte,
onde motards tatuados nas costas
 desafiam os limites  de uma coisa sem nome


e quando as coisas se tornam inomináveis
 começa um poema

05/09/2015

El-Jadida #1

Aqui início um conjunto de poemas escritos, no mês de Julho,  em El-Jadida (antiga Mazagão) no reino de Marrocos.

#1

Porta a porta
sente-se o destino,
(o makbut como aprendi depois )

Por entre o ar fétido das ruas,
há um exército de vontades
tão diferentes das nossas

Os burros e as vacas comem lixo
e um  rocinante procura esquelético
o seu Quixote numa rua de papel

Os barcos vão e vêm

Há peixe ftito
a vender pelas ruas
como um trigo que nasceu no mar

As suas escamas e guelras
esventram a maresia
com odores de morte
e especiarias

O divino é geométrico
para que deus se torne tão lógico
como um bule de  chá de hortelã e menta

Alá é afinal um teorema
que prova que os dias sem chuva
são a tensão vibratória dos músculos
de um garanhão árabe

O ator que não sabia fingir

Lembras-te da aflição do ator que não queria fingir ?
Se até o gafanhoto finge a sua estupefacção,
o que será do ator sem o  sortilégio da representação ?
Será apenas um provocador que
- retirando máscara a máscara
até ao limite de ser um cais de pedra -
aprendeu apenas a atracar navios
e a fazer partir uma  aragem de vontade.

03/09/2015

Aprender a passar


Olho o céu e vejo as nuvens  passar. Também nós passamos como elas e sem deixar grande rasto. Antes delas passaram muitas outras e depois delas muitas outras passarão também. Quem se importa com elas ou quem no futuro se importará connosco ?
 
 
Porque damos então tanta importância ao nosso futuro, se ele não tem importância nenhuma, assim como as nossas insignificantes vidas ? Preocupemo-nos também, em cada ato ou palavra, aligeirar o caminho dos outros, porque ele é tão duro e  agreste como o nosso.

 

02/09/2015

Uma simples preposição

"Cansado dos outros" ou "Cansado com os outros"  é a prova da riqueza das palavras,  onde a mudança da preposição "de" para "com" faz  toda a diferença. Entre estas duas frases encontra-se o estado de espírito do mundo ocidental.

01/09/2015

Alerta

E se os outros te pedirem para te tornares uma má pessoa  ? E se te coagirem ? Os soldados devem sentir a mesma angústia quando lhes pedem para matar outros soldados.

A alguma experiência que tenho, diz-me que não devemos ceder um milímetro ao mal e nem sequer podemos mais tarde evitar o seu retorno. 

31/08/2015

A caminho

Parti a caminho de mim mesmo. Terei tempo ainda de me encontrar ? Tenho esperança de pelo menos deslumbrar a minha silhueta lá longe, onde a linha do horizonte,  recortada pela serra, alcança o céu dos que partiram.

Como diz o professor Eduardo Lourenço: "O regresso dos mortos seria o verdadeiro paraíso". Nem mais, professor. Somos os mortos e dificilmente ultrapassamos a angústia antecipada de poder ver partir os que mais gostamos.

29/08/2015

Olhava-a

Olhava-a
Como se ela fosse
Uma moeda gigante
Vinda das trevas
Para pagar os legumes.

Aquele encantamento
Lambia-lhe o cabelo
Como fazem as gatas
Aos pequenos deuses
Que aquecem as casas
E os espíritos
Em dias de invernia.

Perante a distracção
Lúdica da criança,
A mãe insistia:
"Olha a Lua, filho,
Ali, ali".

Foto de Pedro Veríssimo - 30.08.15 - Carcavelos

27/08/2015

Escrito

Em árabe, a palavra que significa "destino" escreve-se "maktub", ou seja, "escrito" ou "está escrito".


26/08/2015

O mito de Cassandra


Cassandra era um dos dezoito filhos  do rei Triamo e da rainha Hécuba, monarcas da cidade Tróia, na época em que ocorria o confronto entre  esta cidade - actualmente fica na Turquia - e uma liga grega. Cassandra era bela e tinha o dom da adivinhação, porque os seus ouvidos tornaram-se tão sensíveis que podiam escutar as vozes dos Deuses. Cassandra recusou o convite do deus Apolo para dormir com ela e, como vingança, o deus da beleza e da razão lançou-lhe a maldição de jamais alguém acreditar na suas profecias.

Quando o Cavalo de Tróia entrou na cidade, Cassandra avisou os habitantes que aquele engenho era uma ameaça. Ninguém acreditou nela. Em vez disso, escarneceram-na e apelidaram-lhe de louca.


Ulisses e os seus companheiros saíram do Cavalo de Guerra  e, quando o Rei Tríamo se apercebeu do embuste, já era tarde demais e a cidade acabou por ser conquistada pelos gregos.


25/08/2015

25 de agosto

o sol prescreve já a sombra castanha das betúnias,
uma chuva miudinha esconde a infame notícia do prazer
algumas aves delatam aos mudos a longa viagem
e tu fechas os ombros sobre a tua carne
hibernando um sorriso vagaroso  pela corrente caligráfica
da ribeira de Arade


não sei como consegues ler a  beleza sem angústia, ó poeta

21/08/2015

Padres e sindicalistas, precisam-se

É tal a solidão, o individualismo, o cansaço e a falta de esperança - apenas contrariados por alguns dias de lazer e pela vã ambição de que o nosso clube seja quiçá campeão - que estou convicto que as profissões mais necessárias em Portugal são os padres e os sindicalistas.

20/08/2015

"Luta ou foge" em versão quase poética

Perguntei ao Senhor Google como lidar com o medo.
Do alto da sua torre de fios escandinavos e fluorescentes ,
ele enviou-me  um corvo metálico com a sua indómita resposta:

“Luta ou foge, rapaz”.

E eu, indeciso,  fiquei estático.

Estático como a asa de uma borboleta morta.

fight or flight

Ao tentar compreender um estado de alma que me persegue há meses, perguntei ao Mr.Google, o que fazer com o "medo". Ele respondeu-me: "fight-or-flight!*"

But I stayed static, Mr.Google! Static like a butterfly wing.

* Trad. Lutar ou fugir.




18/08/2015

A imitação dos sonhos

Tomei conhecimento de um blog fascinante: http://funcionario-cansado.escritas.org/

Ao ver estas fotos, perguntei-me se os olhos não são mesmo o espelho da nossa loucura envergonhada?





Desintoxicação

ao Ricardo Simões


branco
sobretudo o branco dos lençóis
de uma enfermaria sem germes

e o horror de ser estranho
à fala dos pássaros
que fazem os ninhos
com anzóis

um quadro pintado por ti
onde tremeluz uma angustia
sempre renovada
por novas séries televisivas

dou-te aquele conselho
que nunca se dá:
abre a mão
e deixa partir os outros
como balões pintados
com acrónimos gamados
às páginas dos jornais


17/08/2015

Leveza (de outrora)

Este fim-de-semana, escolhi uma velho companheiro da estante dos livros, o "Poeta militante" do José Gomes Ferreira. Foi bom recordar o meu primeiro mestre. Encontrei na primeira página este poema escrito por mim, em julho de 1993 - o ano em que nasceu o meu filho.

             Leveza

             Ai, haver alguém que fizesse da minha pele
             um barco de papel e me largasse
             nas ondas de mim mesmo
             para que finalmente encontrasse
             a transcendência de poder estar
             sem o incómodo de viver.

13/08/2015

Psicopolítica de Byung-Chul Han

Numa época em que a tecnologia acelera a disseminação de novos processos, a eficácia da reflexão em tempo útil decai. 

Para atenuar este deficit reflexivo, este livro analisa e conclui sobre o novo paradigma de manutenção do poder: A psicopolítica. Depois do poder soberano medievo e do poder disciplinar da época industrial, surge o poder psicológico da era neo-liberal, onde segundo, o autor, o individuo se submete a ele mesmo e submete os outros - sem tomar consciência disso - levado por uma onda de positividade. O "gosto" do Facebook é  um instrumento exemplar deste novo poder. Também as ferramentas de controlo pan-óptico, à laia de novo Big Brother, são agora acionadas  pelo próprio individuo sobre si mesmo (redes socias). 

Concorde-se ou não com Byung-Chul Han, o mínimo que devemos fazer é refletir sobre o caminho que fizemos nesta Era da Globalização e escolher em consciência os caminhos que queremos e devemos prosseguir.



Psicopolítica (12,00€)
Edição/reimpressão:
2015
Editor:
Relógio D'Água
ISBN:
9789896415402


Coleção: